No clássico Lógica Jurídica, de 1951, ULRICH KLUG formula uma noção de “lógica jurídica” (LJ) pelo menos paradoxal, se não inconsistente.
Por um lado, apresenta a LJ como um setor da lógica formal (LF):
– aquela que se ocuparia com os problemas jurídicos.
Por outro lado, vincula LJ com típicas formas de argumentação informal, tal como a analogia, que não integra a LF.
Isso sugere que, se incluirmos estes tipos de raciocínio na LJ, esta não poderá ser uma parte de LF.
Passaria a ser um setor do que hoje se chama “lógica informal”, que, por sua vez, não dispensa os auxílios metodológicos e analíticos da LF.
Não se assumirá aqui o ceticismo dos juristas a respeito do uso da LF nas questões jurídicas.
Para tal ceticismo o livro de KLUG foi, na época e hoje, uma tentativa de resposta.
Apenas se atentará aqui para algumas dúvidas na tentativa klugeana de aproximação entre LF e o que ele chama LJ.
KLUG inicia com a afirmação de que tratará apenas de LF e que deixará de lado tudo o que se refere à “lógica informal“.
Diz ele:
” (…) No presente contexto, não faz falta uma definição mais detalhada de lógica não formal, já que as seguintes investigações se limitarão a problemas lógico-formais. (…) Com a expressão lógica nunca se indica mais do que lógica formal”.(1)
Mais adiante, diz:
“(…) CARNAP pode, com razão, assentar a tese de que uma lógica especial do sentido (…) resulta supérflua, e que a expressão lógica não-formal é uma ‘contradictio in adjecto’”.(2)
A primeira tentativa de definir o que seja a LJ deverá, após afirmações tão fortes, estar em estreito contato com a única lógica que afirmou ser digna desse nome – a LF.
A LF foi concebida como “a única e a mesma” para todas as ciências.
Por isso não se poderia falar de uma LJ como alguma “lógica especial”, com suas próprias leis, que pudesse eximir-se de respeitar as leis gerais da LF, tal como o princípio de não-contradição.
Está em KLUG:
“(…) O fato das presentes investigações se referirem à lógica jurídica não deve interpretar-se como uma defesa da idéia segundo a qual possa falar- se de uma peculiar lógica autônoma da jurisprudência (…) no sentido dela governar-se por leis próprias”.(3)
Ora, se é assim, qual a relação entre LJ e LF?
Para KLUG, a distinção estaria nas premissas específicas que se utilizam (retiradas do âmbito jurídico), além das leis da LF que vigoram em geral para qualquer âmbito.
É o conteúdo das premissas que distinguiria uma ciência da outra. Não a lógica que utilizam, que é sempre a mesma:
“Portanto, quando se fala em lógica jurídica não se designa com isto uma lógica onde teriam validez leis especiais, mas a lógica na medida em que resulta especificamente aplicada na ciência do direito”.(4)
Apesar de a lógica ser sempre a mesma, cada campo de aplicação a restringiria, de alguma maneira, no sentido de não utilizá-la toda, mas apenas uma parte.
A matemática talvez utilize a totalidade de LF, mas campos tais como o
Direito utilizariam apenas um setor dela.
Diz KLUG:
“(…) se na jurisprudência aplica-se somente uma parte da lógica, tem então sentido denominar lógica jurídica a teoria sobre este setor e a sua aplicação aos dados jurídicos.”(5)
[QUESTÃO MENOR]
É estranho este procedimento de utilizar o termo “lógica” em função da sua aplicação a um campo específico de objetos.
Isto habilitaria a falar de uma “lógica psicológica” quando aplicarmos LF no âmbito de problemas psicológicos ou de uma “lógica médica” quando aplicarmos LF em problemas de saúde?
Seria melhor falar de “lógica na jurisprudência”, do que de “lógica jurídica”, pois o surgimento de uma lógica, em sentido estrito, deveria referir-se à formulação de novas leis (ou de menos leis, no caso de algumas lógicas não-clássicas), e não apenas fazer referência a algum campo de aplicação das mesmas leis.
Se existe uma “lógica matemática” não será por ela ser aquela parte da LF que se aplica no âmbito das matemáticas, mas apenas como outra denominação para a própria LF (como “lógica simbólica” ou “logística”).
Quando a LF se aplica nas matemáticas, nós temos, a rigor, a “lógica na matemática”, e não uma “lógica matemática”.
Este problema, mesmo sendo menor, não é apenas de denominação, mas apela para a reflexão sobre o conceito mesmo de lógica e suas aplicações.
[QUESTÃO MAIS SUBSTANCIAL]
Uma questão parece mais substancial.
Por um lado, KLUG insiste em não haver “lógicas especiais”, ou seja, lógicas com leis próprias, que pudessem ser diferentes das leis da LF.
Por outo lado, KLUG diz que a LJ utiliza apenas uma parte da LF, mas não toda.
A afirmação de KLUG de que LJ dispensa uma parte – e uma boa parte, pelo que se vê ao longo do livro de KLUG – da LF, quando se interna em seu próprio
âmbito de interesses, aponta, de alguma maneira, para uma especificidade:
– Se nem toda a LF é utilizável na jurisprudência, isso pode ser determinado, precisamente, pela natureza peculiar dos objetos de estudos jurídicos e de seu particular modo de comportamento.
Os objetos jurídicos, por exemplo, são fortemente afetados por fatores temporais e históricos.
Já a LF tende, a princípio, a dispensar esses elementos, como o próprio
KLUG o expõe ao referir-se às proposições(6).
Se a LJ utiliza apenas a parte da LF que possa servir para representar, de alguma maneira, os elementos temporais, isto é devido a que os objetos jurídicos são temporais ou históricos.
Se a LF é diminuída quando se aplica aos objetos jurídicos, isso poderia indicar para uma “lógica particular” (por exemplo, com elementos temporais) dos objetos jurídicos, tanto como se a LF fosse ampliada para poder estudá- los.
A caracterização klugeana da LJ está, então, fortemente ligada com LF, que seria a única “lógica” em sentido estrito que ele reconhece.
Ele frisa que:
“(…) a lógica jurídica é a teoria das regras lógico-formais que chegam a empregar-se na aplicação do direito. Somente por razões de clareza se menciona nesta definição o caráter formal. Estritamente poderia ser eliminado, de acordo com o que foi explicado anteriormente sobre o conceito de lógica formal.
No sentido em que aqui se entende, a lógica jurídica é, em conseqüência,
dentro da teoria lógica geral, a parte especial que se caracteriza pelo fato de ser empregada na aplicação do direito. Se a lógica geral é denominada lógica pura ou teórica, pode então falar-se de lógica jurídica como um caso de lógica prática”.(7)
Dada a estreita relação estabelecida entre LJ e LF apresentada até agora, a surpresa é tamanha quando KLUG apresenta outra ideia que parece colocar a sua noção de LJ em alguns problemas sérios de justificação.
Após reconhecer que a anterior definição de LJ “não permite uma delimitação unívoca do âmbito a investigar”, ele declara:
“Se quisermos delimitar esse âmbito com exatidão, deveria ser definido da seguinte maneira: a lógica jurídica é a teoria das formas de raciocínio mencionadas nos parágrafos 9-14 destas investigações (argumenta a simile, a contrario, a maiore, ad minus, etc.)”.(8)
No Capítulo III do livro, há cuidadoso estudo dos argumentos por analogia (argumentum a simile), dos argumentos a contrario, da sua relação mútua, dos argumentos a fortiori (argumentum a maiore ad minus, argumentum a minore ad maius), argumentum ad absurdum e argumentos interpretativos, hoje considerados como lógica informal.
Esses argumentos são precisamente aquilo que KLUG manifestou, no início, querer deixar de lado, inclusive como não sendo lógica em absoluto!
[SITUAÇÃO PROBLEMÁTICA]
A situação problemática da concepção klugeana de LJ poderia resumir-se da seguinte maneira:
– não parecem facilmente compatíveis duas afirmações feitas por KLUG a respeito de LJ.
A primeira, que LJ seria um setor de LF, aquele aplicado especificamente às questões do direito.
A segunda, que LJ seria a teoria das formas de raciocínio tais como a
analogia, a fortiori, a contrario, etc.
No entanto, estes raciocínios não fazem parte de LF.
Ao máximo, às vezes são incluídos, nos livros de lógica, capítulos sobre raciocínio indutivo (onde figura o raciocínio por analogia), mas sempre de maneira claramente independente da teoria de LF.
Esta situação fica mais clara ainda quando KLUG apresenta a LF em seu sentido mais hard como o referencial teórico da LJ:
– Método axiomático, linguagens artificiais e cálculo(9) (menciona na bibliografia do final do primeiro capítulo fontes tais como Bochenski, Carnap, Von Kutchera, Quine, Russell e Tarski, todos autores fortemente vinculados à LF matemática).
No entanto, nada disso é aplicável diretamente ao tratamento da analogia ou aos argumentos a fortiori e a contrario.
O máximo que LF parece poder fazer no âmbito do estudo desses outros tipos de raciocínios é apenas traduzi-los ao simbolismo de LF para melhor entender a sua estrutura (o que não é ganho desprezível).
Porém, os procedimentos decisórios de LF, no que tange à validez de raciocínios, não conseguem fornecer procedimentos formalizados de validez para esse tipo de raciocínio, como o próprio KLUG o mostra ao longo de seu livro (e como é, por outro lado, conhecido).
Para tornar ainda mais clara a sua filiação com a LF moderna, KLUG escreve o Capítulo II do livro (Teorias fundamentais da lógica pura, explicadas com exemplos da lógica jurídica).
Lá ele tenta uma apresentação da LF sentencial e quantificacional, além das teorias de classes e relações, em estreito contato com a LJ, especialmente por meio do uso de exemplos muito bem selecionados.
A exposição é muito interessante porque, com um cuidado não encontrável em livros de lógica geral, KLUG explora, por exemplo:
- a) diferentes tipos de condicionais (extensivos, intensivos, recíprocos);
- b) a diferença entre disjunção e alternativa; e
- c) dentro da teoria de relações, a construção de “círculos de semelhança”.
Essas diferenças e técnicas irão, depois, servir a KLUG para o tratamento de diversos tópicos de interesse no âmbito jurídico.
Nesse capítulo II se mostra suficientemente a primeira das duas asserções klugeanas, ou seja, a ideia de a LJ ser um âmbito específico de objetos no qual se podem aplicar muitas das leis de LF, mas não todas.
Mas, se as exemplificações jurídicas fossem substituídas, digamos, por exemplos sobre aborto e eutanásia, estaríamos ipso facto (seguindo o critério de KLUG antes criticado) no âmbito de uma “lógica bioética”, mas sempre estudando os mesmos tipos de leis.
Isto parece pouco para aquele interessado em algo como uma “lógica jurídica” num sentido mais forte e mais intenso. Este teria a plena impressão de estar lendo um livro de LF com exemplos jurídicos. Precisamente, o que acontece no Capítulo III do livro.
Lá, KLUG entra efetivamente no âmbito mais tipicamente jurídico, mas ao preço de sair da LF em sentido forte, no sentido de ficar apenas com a simbolização de LF, mas sem seus mecanismos de determinação de validez.
Isto é já abertamente admitido na nota-asterisco da primeira página desse capítulo III, dentro do estudo sobre analogia:
“O emprego da denominação ‘raciocínio por analogia’ não prejulga sobre a conclusão, no sentido de que sob tal denominação deva entender-se um raciocínio conclusivo do ponto de vista lógico-formal.”(10)
Não obstante, seguindo adiante com a sua conflitante noção de LJ, KLUG
afirma:
“1. Desde logo, antes de entrar a analisar o tema, nos apoiando resultados da segunda parte destas investigações [ou seja, em LF], exporemos as idéias mais importantes (…)“.(11)
[Veremos, em seguida, o alcance que isto pode ter.]
Na sua prolixa exposição das diferentes posturas de juristas e lógicos perante a questão da analogia, KLUG analisa as perspectivas segundo as quais pode haver analogias exatas (não apenas no campo da matemática) e aquelas que negam essa possibilidade(12).
Entre estas últimas, menciona ERDMANN(13) e a sua ideia de que a analogia comete sistematicamente a falácia de quaternio terminorum, pelo fato de que, no esquema:
(1) M é P
(2) S é semelhante a M
(C) S é P
Nesse caso, tem-se, na realidade, quatro termos e não três (como exige a teoria lógica clássica), porque o termo “M” e o termo “ser semelhante a M” são diferentes.
Se chamarmos a este último de “N”, a situação de quaternio terminorum
fica clara:
(1) M é P (2) S é N (C) S é P
Assim, para ERDMANN, a analogia seria tão-somente um recurso heurístico, mas não um tipo de raciocínio independente, logicamente justificável.
KLUG situa a abordagem de ERDMANN dentro do que ele chama “lógica clássica”, que teria sido substancialmente ultrapassada, segundo ele, pela LF moderna.
Entretanto, quando chega o momento de oferecer o tratamento “moderno”
do esquema da analogia, os resultados não vão muito além.
KLUG começa por simplesmente traduzir a premissa (1) e a conclusão (C) do esquema visto acima para a simbologia da teoria de quantificadores(14) o que não é problemático (nem particularmente heurístico).
O problema é, claro, a “premissa analógica (2)“, pois, como KLUG diz, a relação “ser semelhante a (…)” não é uma relação lógico-formal.
KLUG diz que não é uma relação lógica “fundamental”, mas ele tampouco mostra como ela poderia ser derivada a partir de relações lógicas fundamentais (o que seria suficiente para inserir a analogia dentro da LF).
Na verdade, a analogia parece basear-se numa relação que não é lógico- formal em absoluto, nem “fundamental” e nem “não fundamental”.
A opção de KLUG é introduzir a relação rebelde não como operador lógico, mas como predicado monádico.
Tal como na análise “clássica” (ou tradicional) de ERDMANN, este predicado recebe outra letra (N).
Desta maneira, KLUG apresenta a sua tradução(15) somente para constatar que o raciocínio por analogia é sempre formalmente inválido, e ele mesmo afirma que isso simplesmente confirma o resultado “clássico” de ERDMANN.
Mas o grave, aqui, é que se a analogia é um raciocínio típico de LJ (ou, nos termos do título do Capítulo III, um “argumento especial da lógica jurídica”), e se esse tipo de raciocínio é sistematicamente inválido do ponto de vista formal, como é que LJ pode ainda entender-se como uma parte de LF em algum sentido interessante?
Um dos raciocínios mais típicos de LJ, que se apresenta como uma parte da LF, é sistematicamente inválido do ponto de vista da própria LF!
KLUG tenta melhor sorte na teoria de relações (apresentada previamente no Capítulo II).
A “premissa analógica” declara, nos termos desta teoria, que todos os X que têm a propriedade 5 pertencem ao “circulo de semelhança caracterizado por M”.
Simbolizando na teoria de relações, obtém-se com isso uma expressão formalmente válida(16).
Mas, na verdade, essa validez depende totalmente de uma “ponte” informal, que é a própria determinação do “círculo de semelhança” relevante.
Ou, como o próprio KLUG o exprime:
“A peculiaridade deste raciocínio não reside na sua estrutura formal, mas na circunstância, relativa ao conteúdo, de (…) ser um circulo de semelhança que foi formado levando em conta a respectiva relação de semelhança”.(17)
Portanto, a LF fornece aqui, ao máximo, uma simbolização mais apurada, mas nada que leve substancialmente mais além dos resultados lógicos antes atingidos.
E – o que é mais importante – fica confirmada, agora pela LF moderna, a deficiência formal do raciocínio por analogia(18).
Se a presente análise da noção Klugeana de LJ está correta, parecem abrir-se aqui as seguintes alternativas:
1) admitir, de maneira estrita e literal, que LJ seja uma parte de LF e deixar raciocínios como os de analogia, a fortiori e outros fora da LJ, por eles não serem formalmente válidos;
2) admitir, de maneira mais fraca e flexível, que LJ seja uma parte de LF, mantendo os raciocínios por analogia e os outros à disposição para traduções e análises formais fornecidas por LF, sem que isso participe efetivamente do processo de sua validação (o que parece impossível);
3) deixar, pura e simplesmente, de admitir que LJ seja uma parte de LF, mantendo os raciocínios por analogia e os outros dentro de seu campo de estudo.
Nesta última hipótese, passaríamos a conceber LJ como parte de uma lógica mais larga, que abranja tanto LF quanto o que hoje se chama “lógica informal”(19), mantendo LF nas mesmas funções que na alternativa 2).
A alternativa 1) parece inviável, dada a enorme importância da analogia e os outros raciocínios dentro de LJ.
A alternativa 2) é a opção de KLUG, mais além das suas próprias esperanças formalistas, que se veem largamente frustradas ao longo de seu livro.
A alternativa 3) seria a proposta do presente trabalho.
Esta opção está justificada na estrita medida de evitar a posição tensa de KLUG a respeito da própria noção de LJ.
Parece mais adequado à natureza de uma LJ (capaz de interessar mesmo àqueles que são céticos sobre o uso da lógica na jurisprudência) manter o interesse pela analogia, os argumentos a contrario, a fortiori etc.
Assumimos, assim, abertamente LJ como um setor da lógica informal, e mantendo LF como uma linguagem precisa para melhor expressar as características destes tipos de raciocínios.
Estamos cientes do fato de uma melhor formalização desses raciocínios não fazer com que se transformem em raciocínios lógico-formais.
Apesar de KLUG não assumir a postura 3), muito do que ele diz sobre “lógica” na verdade não se aplica à LF, mas a uma noção mais larga de “lógica” (inclusive, aplicadas somente à LF, essas afirmações são simplesmente falsas).
Veja-se que ele declara que a “lógica”, apesar de não ser uma condição suficiente, é, certamente, uma condição necessária para toda ciência(20).
No entanto, isso é falso se entendemos “lógica” como LF.
Acabamos de ver que o próprio KLUG mostra que os raciocínios por analogia não precisam de LF para validar-se.
Assim, a LF não é condição necessária para avaliar um tipo de raciocínio totalmente fundamental para quase todos os âmbitos de argumentação científica (mesmo para a matemática).
KLUG também afirma que a lógica é útil para fugirmos do âmbito onde apenas trocamos “estados de ânimo, emoções e sentimentos”(21).
Mas, para sair desse âmbito puramente intuitivo e passar para o plano da argumentação, não precisamos apenas de LF nem (como vimos) necessariamente dela.
KLUG, seguindo um hábito expositivo muito difundido, refere-se ao princípio de não-contradição como um exemplo de lei lógica que seria necessária para qualquer discurso.
Aqui ele pode estar cometendo a “falácia (informal) de exemplo favorável”, uma variante da “falácia slippery siope” (pendente escorregadia), consistente num deslocamento ilegítimo de um caso fácil para todos os casos (que podem ser complexos).
Pode ser que algumas leis – como a de não-contradição – sejam necessárias, mas não a LF como um todo.
Às vezes LF não é necessária para validar argumentos úteis e necessários para a argumentação.
O próprio KLUG mostra, por exemplo, que os argumentos a contrario, profusamente utilizados em LJ, são formalmente inválidos (cometem a “falácia formal de negação do antecedente”)(22).
Por outro lado, o próprio “princípio de não-contradição” já foi contestado, dentro da própria LF não-clássica, na sua pretensão de ser necessário num sentido absoluto.
Só para consolidar a ideia deste parágrafo:
– KLUG se refere à necessidade de LF para todas as ciências porque em todas elas “se extraem conclusões a partir de premissas”, e em todas elas precisamos “introduzir clareza nos termos”.(23)
É óbvio que LF não é a única teoria que consegue esses resultados. Podemos estar interessados em extrair conclusões e em obter clareza sem
necessidade de lançar mão de LF.
Em resumo, se aceitarmos essas considerações críticas à noção Klugeana de uma LJ, as relações entre lógica e jurisprudência devem passar pela distinção entre lógica formal e informal e por um particular tipo de inserção dos estudos da argumentação jurídica dentro da interface entre ambas.
Sem assumir as grandes expectativas formalistas de KLUG e tantos outros, nem deixar a jurisprudência nas mãos da intuição e a propalada “longa experiência dos juristas”, trilho o caminho pelo pensamento crítico.
A lógica informal e a lógica prática ou aplicada parecem tão recomendáveis para a lógica quanto o foram para a ética.
Assim como PETER SINGER disse que uma ética que não é aplicada nem merece o nome de ética, não poderíamos dizer exatamente a mesma coisa acerca da lógica?
No campo jurídico é fundamental, para o processo democrático, a transparência dos argumentos.
Temos de coibir que o “arbítrio voluntarista”, travestido de raciocínio fundamentado, se imponha na decisão judicial.
Só o voto popular legitima decisões políticas.
Não o concurso público, que investe a magistratura.
A insegurança jurídica não decorre, também, da pretensão antidemocrática do juiz ser fonte de direito?
1 Lógica jurídica, Bogotá: Temis, 1998, p. 2
Na versão espanhola: “En el presente contexto no hace falta uma definición más detallada de la lógica no formal, ya que las seguintes investigaciones se limitarám a problemas lógicos- formales. (…) con la expresión lógica nunca se indica más que la lógica formal.”.
2 Idem, pg. O3.
Obs: Nos dias de hoje, esta situação mudou substancialmente, e a “lógica informal” tem seus próprios periódicos e extensa bibliografia: The logic of real arguments (1988), de ALEC FISHER; Understanding arguments, de FOGELIN e SINNOTF-AMSTRONG (1978); Critical thinking: an introduction to informal logic (1984), de JOHN Hoaglund; Informal logic (1989), de DOUGLAS WALTON, e muitos outros.
3 Idem, pg. 4.
4 Idem, pg. O.
5 Idem, pg. 6.
6 Idem, pg. 05.
7 Idem, pg. 08.
8 Idem, pg. 09.
9 Idem, pgs. 17-26.
10 Idem, p. 139.
11 Idem, pag. 139.
12 p. 147-153
13 Benno Erdmann (1851-1921), filósofo, lógico e psicólogo alemão.
14 p. 168.
15 p. 169.
16 p. 171.
17 Idem, P. 172.
18 cf. também p. 175.
19 no sentido da literatura mencionada na nota 2, supra
20 Idem, p. 03
21 Idem, p. 3.
22 Idem. 176.
JULIO CABRERA (UNB) chama de “argumentos supra válidos” aqueles argumentos (tais como a
analogia e o argumento a contrario, apresentados por KLUG), no sentido de argumentos formalmente inválidos que são sistematicamente corretos no plano das aplicações. A estes acompanham os “infra-válidos”, que refletem a situação contrária: argumentos formalmente válidos que sistematicamente não funcionam nas aplicações. Isto deve contestar a tese de KLUG da LF constituir “(…) o Fórum que se aceita como dotado de vinculatoriedade absoluta” (KLUG, op. cit., p. 10). Ver no artigo “Es realmente la lógica tópicamente neutra y complemente general?” (Ergo, Xalapa, México, n. 12, mar. 2003)
23 Idem, pag. 07.