A degradação inédita do prestígio das Forças Armadas no Brasil se dá precisamente a partir do momento em que o presumido representante de uma parte da caserna – da extrema direita militar também presente como representação parlamentar – chega ao poder pela via eleitoral. A crise política e econômica do período 2013 a 2018 e a migração da direita, quase que de conjunto, de posições democráticas para posições autoritárias e não constitucionais, criou um contexto que parecia, aos olhos de setores tradicionais e conservadores das Forças Armadas, como uma possibilidade de redenção e permitiria o devido reconhecimento daquele papel de liderança e superioridade, componentes de sua interpretação muito singular sobre a hierarquia e a “alma” nacionais. A crise política e o crescimento mundial das ideias e de valores reacionários de extrema direita foram interpretadas em círculos dirigentes do oficialato das Forças Armadas como uma espécie de absolvição pela história.
Contudo a realidade do quadro fez com os militares se vissem no centro das medidas despropositadas e desastrosas do governo Bolsonaro. A gestão no ministério da saúde, as frequentes denúncias de mal uso de verbas públicas e o questionamento sobre a lisura do sistema eleitoral empurraram os militares ao centro de um debate sobre controvérsias, incluindo-se aí os próprios limites de suas atribuições constitucionais e sua capacitação e formação técnica. Tal contexto levou as Forças Armadas à uma crise de legitimidade pública muito impactante para os planos do oficialato.
O pensamento nas Forças Armadas brasileiras está fortemente marcado por este contexto e pela difícil transição do Brasil arcaico para o Brasil capitalista, que teve na conservação de parte muito impactante do poder político e econômico das elites pré-capitalistas um regulador dessa modernização. O pensamento militar se constituiu com um forte componente modernizador contra as oligarquias. Uma modernização, contudo, que não incluía uma transformação completa da hierarquia entre pobres e ricos, mas que buscou no racionalismo positivista as bases da modernização e no idealismo reacionário do fascismo a aversão a subversão da ordem social.
Qualquer Presidente eleito dentro da democracia tem a obrigação de dialogar com as chefias militares que escolher para, dentro da Constituição, formatar um novo pacto de princípios, visando preencher o vazio que se formou em torno da própria existência das Forças Armadas, num mundo em que a Guerra Fria não mais polariza o mundo, como antes, e em que a defesa do território e da soberania nacional já passa a quilômetros de distância do anticomunismo histórico, que só ameaça o sono dos dinossauros de época longínqua do mundo bipartido.
O que resta, atualmente, às Forças Armadas brasileiras, é afundar-se no golpismo bolsonarista, que será de curta e violenta duração, ou ajustar-se ao Projeto Democrático da Carta de 88, saindo do brete do anticomunismo neurótico sem comunismo à vista. E ao sair, como reza a Lei Maior, ampare o país no mundo da cooperação com soberania e proteja o povo, protegendo a Democracia e a República. Como manda a Lei. A política e a história por extensão, contudo, são feitas dentro da disputa pelo poder e não fora dela, e a política está deixando a correlação de forças de 2018 para trás.