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Agricultura camponesa familiar e a necessária transição ecológica

Frei Sérgio Antônio Görgen ofm

Dirigente do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) e Via Campesina

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Pelos campos há fome, em grandes plantações”.
Geraldo Vandré

 

Este texto, produzido através de múltiplas contribuições, estudos, elaborações, somado à vivência prática junto à vida das comunidades camponesas e às lutas dos movimentos populares, tenta traçar um conjunto de propostas vislumbrando o papel estratégico desta forma de vida e de produção – agricultura camponesa e familiar – para uma transição ecológica de larga escala e para a construção de um Projeto de Nação. Trata-se também de um esforço de síntese da produção teórica de 30 anos.

 

Aspectos descritivos

Agricultura camponesa não é só um jeito de produzir no campo. É um modo de viver. É uma cultura própria de relação com a natureza. É uma forma diferenciada de vida comunitária. Em muitos sentidos, a forma de organização econômica da agricultura camponesa se distingue da racionalidade empresarial, aquela que limita o cálculo econômico aos indicadores de eficiência financeira. A renda na agricultura familiar não é obtida pela exploração do trabalho de terceiros. O trabalho é familiar, não assalariado, não capitalista. Por isto também dizemos, Agricultura Camponesa Familiar. Portanto, a categoria “lucro” não se aplica à análise da economia camponesa. Também na relação com os bens naturais, a agricultura camponesa se distingue da racionalidade empresarial. Esta forma de agricultura, porém, não se define somente pela forma como nela se trabalha.

A família camponesa vive e sobrevive com pouca terra. Esta agricultura sempre se fez, ao longo da história, em pequenas áreas de terra. Nisto se distingue da agricultura latifundiária, estruturalmente dependente da exploração, usando trabalho alheio, feita em grandes extensões de terra. O trabalho na agricultura camponesa não só produz valores econômicos, mas reproduz bens ecológicos necessários aos futuros ciclos de produção econômica. Produção econômica e reprodução ecológica integram-se organicamente nas formas de organização do trabalho camponês.

Um dos elementos-chave nessa estratégia camponesa de reprodução econômico-ecológica é a diversificação na produção. Monocultivos inviabilizam a possibilidade de reprodução camponesa, pois são estruturalmente dependentes dos mercados de insumos e serviços (vendidos na forma de pacotes tecnológicos) e de um só produto, ambos controlados por corporações econômicas que têm na acumulação de capital a sua única razão de existência. Ao combinar produção animal com produção vegetal durante o ano todo, a agricultura camponesa fecha ciclos ecológicos nas unidades de produção, permitindo, assim, reduzir substancialmente os custos de produção, “consumos intermediários” na linguagem econômica.

A diversificação produtiva tem um papel decisivo e é chave também para a produção de rendas não-monetárias, ou seja, os produtos destinados ao autoconsumo das próprias famílias ou trocados por meio das relações de reciprocidade tão presentes nas comunidades e territórios de forte presença camponesa (o escambo). Junto com a posse da terra, é um dos elementos fundamentais da constituição do espaço de liberdade proporcionado por esta forma de produzir alimentos e renda, e de preservar sua forma de existir.

Os laços familiares e comunitários são elementos determinantes na configuração das economias e nos modos de existir e da cultura camponesa. Alguns teóricos, como Chayanov,[1] vêm na reprodução da família camponesa e dos objetivos que ela própria se coloca, o grande motor da atividade econômica da agricultura camponesa.

A comunidade é um elemento central no modo de vida camponês. Destruir suas comunidades é destruí-lo por inteiro.

Uma marca forte da agricultura camponesa no Brasil é a diversidade. Diversidade cultural a partir de raízes culturais heterogêneas e diferenciadas, moldadas a partir de jeitos e formas diferentes de se relacionar com a natureza, pois em contato com mundos naturais diferentes. O Brasil é grande e diverso. Os camponeses brasileiros são muitos e têm na diversidade uma de suas riquezas. Souberam adaptar-se ao mundo local, onde fincaram o pé e deitaram raízes. É por isto que o campesinato brasileiro faz de tudo, produz de tudo, de várias formas, nos diversos biomas, nos inúmeros agroecosistemas, nos centenas de microclimas, de forma integrada, convivendo com as especificidades de cada local, vivendo com o que a natureza oferece, sem agredi-la e destruí-la em cada cantão, encosta de serra, beira de rio, fundo de pasto, várzea, topo de morro, mata adentro, sob chuva intermitente, sob sol causticante, sob geada de inverno. O melhor mapa rural do Brasil é o mapa da diversidade da presença e da produção camponesa.

A diversidade cultural e produtiva, própria da vida camponesa, é a melhor maneira de lidar com a biodiversidade. Por isso os camponeses são os melhores guardiões dos bens comuns da natureza e da sociobiodiversidade alimentar.

Não existe agricultura camponesa em estado puro. Ela está sempre marcada por contradições, lutas, conflitos e enfrentamentos para sua própria afirmação. Sua existência é sua resistência e sua luta permanente. Hoje está sob pressão do mercado capitalista, que a força às migrações constantes, a inserir-se no mercado internacional, a produzir monoculturas, a fornecer mão-de-obra para as empresas capitalistas, a endividar-se no sistema financeiro, a integrar-se com as agroindústrias, a ser complementar à produção dos latifúndios, a consumir o pacote tecnológico das multinacionais.

É o agronegócio como novo formato de exploração latifundiária, sob o comando do capital financeiro e das grandes empresas de insumos e comercialização, constituindo um novo pacto de poder político e econômico em conflito com o campesinato e as formas camponesas de viver e produzir.

Em tempos de mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, de crise ambiental global que ameaça de fome a população do planeta, a agricultura camponesa e suas comunidades são reservas estratégicas de soluções concretas para o futuro das civilizações humanas sobre a terra e para a produção de alimentos saudáveis, com ciência e tecnologia sustentáveis. Soluções que o agronegócio e o latifúndio não conseguem nem conseguirão oferecer.

 

Conflito de sistemas

A história da agricultura brasileira está marcada pela luta entre dois sistemas: de propriedade, produção, agroindustrialização, pesquisa, assistência técnica, apropriação da natureza, modelos de financiamento, sistemas legais de proteção, e de modelos científicos e tecnológicos. A hegemonia tem sido do latifúndio, dependência tecnológica, uso intensivo de insumos externos, monocultura para o mercado externo, controle da indústria, legislação protetora da grande propriedade e do lucro, financiamento público em larga escala, benefícios tributários e, nas últimas duas décadas, com o domínio do capital financeiro internacional sobre a produção primária.

A agricultura camponesa tem resistido ao longo da história do Brasil, produzindo em pequenas áreas, com trabalho familiar, em busca contínua de autonomia tecnológica, produzindo para o mercado local e interno, tudo isso num sistema complexo e integrado de policultivos e de combinação entre produção animal e vegetal. A história da agricultura camponesa é a história da resistência camponesa. Mas não uma resistência puramente defensiva. É também a história de luta por autonomia e emancipação frente a contextos econômicos, políticos e ideológicos hostis à sua existência. Ensinamentos dessas histórias de luta permanecem invisibilizados por uma ciência hegemônica incapaz de captar os múltiplos benefícios socioambientais gerados pelas formas de organização técnica, social e econômica da agricultura camponesa.

Nos últimos anos o conflito de sistemas torna-se mais evidente. A agricultura latifundiária, hegemonizada pelo pacto de poder do agronegócio, está ainda mais dependente e vinculada ao monopólio da indústria química, funcional com o mercado internacional de alimentos, mais monocultora, mais homogeneidade genética, dependente das tecnologias da engenharia genética de laboratório, da informática e do geoprocessamento por satélites. Tecnologias caras, inacessíveis às maiorias, muitas delas inapropriadas, e, via de regra, desnecessárias e danosas. São tecnologias geradas a partir de trajetórias de inovação orientadas ao duplo propósito de dispensar trabalho humano e gerar dependência tecnológica da agricultura em relação ao capital financeiro e industrial.

A agricultura camponesa busca caminho próprio na sua viabilidade através do associativismo e do cooperativismo, produção para o autoconsumo familiar, economia solidária, industrialização, abastecimento do mercado interno, reconstruindo diversidade econômica; usando sementes, mudas e raças crioulas, biodiversidade vegetal e animal; construindo uma vigorosa base de sabedorias, conhecimentos e recursos tecnológicos orientados por modelos de produção ecológicos. Nesta perspectiva, a agroecologia torna-se uma ferramenta poderosa e estratégica para o País. As trajetórias de inovação agroecológica alinham-se às lutas camponesas ao se pautarem na construção da autonomia técnica e econômica e da emancipação social e política em relação às forças do mercado capitalista.

 

O agronegócio

Sob o nome “agronegócio”, a partir de 1998 inicia uma nova fase da agropecuária brasileira, instala-se um projeto que unifica as forças e as classes políticas e econômicas conservadoras e capitalistas para explorar o agro brasileiro. Cria-se uma marca e um visual onipresente através da grande mídia e da articulação dos principais agentes do mercado.

Em si, pouca novidade. A “revolução verde” assim é. O que muda é o comando. O pesquisador Guilherme Costa Delgado[2] define esta nova fase:

“Observe-se que agronegócio na acepção brasileira do termo é uma associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária. Esta associação realiza uma estratégia econômica do capital financeiro perseguindo o lucro e a renda da terra, sob o patrocínio das políticas de Estado”. (DELGADO, 2012)

De acordo com os estudos de Delgado, no segundo Governo de Fernando Henrique Cardoso, o agronegócio foi relançado como política estruturada, através de algumas iniciativas governamentais convergentes, entre elas: (1) programa de investimento em infraestrutura territorial; (2) direcionamento do sistema público de pesquisa para este setor da economia agrícola; (3) regulação frouxa do mercado de terras; (4) mudança na política cambial para facilitar as exportações, aumentando a inserção externa das cadeias agroindustriais; (5) reativação do crédito rural, iniciando com o Moderfrota e continuando com os Planos de Safra.

Horácio Martins de Carvalho descreve o agronegócio como Pacto de Economia Política: “a terra agricultável no Brasil está sendo destinada à burguesia desde 1965, na ditadura militar. O capital financeiro na agricultura tendeu a se viabilizar através de um pacto estratégico da economia política entre o grande capital agroindustrial, o sistema de crédito público à agricultura e à agroindústria, a grande propriedade fundiária e o Estado. As diferenças pós 1999, em relação ao período militar (1964-1985), são o caráter político desse pacto do agronegócio e o caráter marcadamente primário-exportador dessa estratégia.” (Palestra Proferida ao MPA-RS em janeiro de 2012).

O agronegócio é um pacto de poder, estruturado e definido, sob o comando do capital financeiro (grandes investidores, bancos e fundos de investimento), das grandes empresas transnacionais dos ramos agroindustriais e agrocomerciais (sementes, alimentos, insumos químicos, tradings do comércio internacional, grandes redes atacadistas), dos latifundiários brasileiros (dando finalidade econômica às grandes propriedades, ao arrepio da função social e ambiental da propriedade) e do Estado brasileiro (com políticas de crédito, legislação protetora da propriedade da terra e das patentes de seres vivos e cultiváveis ), desoneração fiscal para a exportação e aquisição de agrotóxicos e fertilizantes, pesquisa pública direcionada ao agronegócio, investimentos públicos em infraestrutura e logística funcional aos interesses do agronegócio).

Este Pacto de Poder significa uma nova conformação da agropecuária e da agrosilvicultura no Brasil. É um projeto unificado, sob o comando do capital financeiro e de suas redes de investidores, que transformam alimentos, fibras e matérias primas industriais provindas do campo e produtos industriais provenientes destas matérias primas em ativos financeiros e os mercantiliza em bolsas de valores.

Este pacto de poder significa uma nova conformação da agropecuária e da agrosilvicultura no Brasil. É um projeto unificado, sob o comando do capital financeiro e de suas redes de investidores, que transformam alimentos, fibras e matérias-primas industriais provindas do campo e produtos industriais provenientes destas matérias-primas em ativos financeiros e os mercantiliza em bolsas de valores.

Esta nova fase abarca, portanto, em um projeto unificado:

  1. a produção primária (alimentos, madeira, fibras, fontes energéticas da biomassa, sementes, mudas, matérias primas e princípios ativos para as indústrias de medicamentos, cosméticos, bebidas e biodiversidade em geral);
  2. a industrialização de insumos agrícolas, de modo especial a indústria de sementes e produtos químicos agrícolas e pecuários;
  3. a indústria de transformação das matérias-primas agrícolas, pecuárias, madeireiras, energéticas, medicinais, etc., em alimentos, energias, celulose, cigarros, bebidas, produtos farmacêuticos e nutracêuticos, produtos cosméticos e condimentares e toda a gama de produtos beneficiados, semielaborados, elaborados e industrializados;
  4. as redes de distribuição de alimentos;
  5. a logística de transporte e armazenagem;
  6. a indústria de máquinas e equipamentos agrícolas, armazenagem, transporte, cargas descargas.

Neste pacto de poder é o capital financeiro que hegemoniza e lidera o conjunto dos agentes econômicos e políticos envolvidos no processo, que são: o  Estado brasileiro com suas expressões normativas e organizacionais como legislação, sistema financeiro público, recursos para pesquisa, sistema tributário, política de exportação, liberação de uso de venenos agrícolas, com todos os seus meios – executivo, legislativo e judiciário; grandes grupos transnacionais da indústria química, de insumos agrícolas, veterinários e florestais; grandes grupos nacionais e transnacionais monopolistas da indústria de alimentos, como celulose, agroenergia, medicamentos, cigarros, bebidas, cosméticos entre outras; grandes redes varejistas e atacadistas do mercado de alimentos e bebidas;  indústrias de máquinas, implementos e equipamentos agrícolas, de transporte, armazenagem e suas redes de fornecedores; os latifundiários brasileiros, incorporados no processo como sócios menores, disponibilizando seus imensos territórios como base física para a implantação de grandes monocultivos de interesse dos gestores e usufrutuários dos lucros do pacto; os agricultores familiares, agregados como mão-de-obra barata e superexplorada na produção de alimentos e fibras cujo sistema de produção demande áreas pequenas de terras (tabaco, suínos, aves, leite, hortigranjeiros, extrativismo), integrados à indústria que comanda o pacote de insumos e em tudo dela dependente.

Esta nova configuração do capital no campo impõe uma nova correlação de forças, novas situações e novos desafios para a existência e a resistência camponesa, colocando a luta de classes no campo, a luta pela reforma agrária e a produção diversificada de alimentos saudáveis sob novas condições.

 

História de resistência

O campesinato foi e continua sendo expropriado, roubado e expulso: de suas terras e territórios; de sua sabedoria e conhecimentos; de seus meios de trabalho e de subsistência; de seus instrumentos de trabalho e seus meios técnicos; de seus direitos de produzir, industrializar, trocar e vender; de sua autoestima e seu valor humano e cultural enquanto ser social; de sua cultura e conhecimentos tradicionais; de suas sementes, raças e mudas crioulas e nativas; de seus filhos e das novas gerações.

Porém, contra muitas previsões à esquerda e à direita, o campesinato existe, subsiste, resiste, insiste e persiste.

 

Bloqueios históricos, limites e ameaças

– A concentração da propriedade da terra nas mãos do latifúndio – questão agrária não resolvida;

– Excessivo parcelamento das propriedades e posses das famílias camponesas nos territórios camponeses – questão camponesa não resolvida – contradição latifúndio X minifúndio persiste no campo brasileiro;

– Inexistência de políticas de Estado estruturantes para o fortalecimento das comunidades, da produção camponesa e da comercialização desta produção;

– Envelhecimento da população camponesa e dificuldades de todas as ordens (culturais, econômicas, políticas, familiares, agrárias) para realizar a transição de geração no campo;

– Inexistência de políticas públicas para a manutenção da juventude no campo e para a promoção da transição de geração;

– Avanço do agronegócio – modernização conservadora do campo sob o comando e controle político e econômico do capital financeiro internacional – com seus efeitos: concentração da terra, monocultivos, venenos, destruição ambiental, concentração de renda e poder;

– Erosão da biodiversidade e redução da soberania genética do país; dependência de insumos externos para a produção nacional, de modo especial, fósforo e potássio;

– Pacto de poder do agronegócio: banqueiros e transnacionais (comando), latifundiários (sócios menores), Estado (garantidor legal e financiador) e grande mídia (máquina de propaganda);

– Urbanização caótica e superconcentração da população em território relativamente pequeno, com agravamento das condições ambientais, desemprego e segurança da população;

– Poder político do agronegócio e do latifúndio.

 

As condições para a agricultura camponesa familiar realizar a transição ecológica

Por que a agricultura camponesa familiar pode ser pilar estratégico para um Projeto de Nação e para a transição ecológica necessária para a sociedade e a economia?

Porque faz melhor gestão dos recursos naturais; porque tem reservas de saberes e práticas estratégicas para a convivência humana e a produção de alimentos saudáveis; porque responde com rapidez e eficácia aos estímulos públicos; porque tem disposição para inovar; porque pode exercer extensa prestação de serviços ecossistêmicos, tais como, ar puro, água limpa, sequestro de carbono, preservação de paisagens e biodiversidade, equilíbrio do ciclo das águas e do ciclo de carbono; porque é multifuncional, pluriativa, polivalente, versátil e tem alta flexibilidade tecnológica; porque resiste melhor a situações e períodos de crises climáticas, econômicas e sanitárias; porque promove a ciclagem de nutrientes na escala das paisagens;  porque tem facilidade de interação com os mercados locais e regionais; porque estabiliza e diversifica o abastecimento interno de alimentos saudáveis e culturalmente adaptados, com qualidade, variedade, sabor, potencial nutritivo e alta diversidade; porque é fundamental para a ocupação e povoamento integral do território nacional; porque é grande geradora de postos de trabalho dignificante a baixo custo; porque é base social para o desenvolvimento do Brasil interiorano; porque promove pluralidade e estabilidade democrática ao Estado de Direito; porque pode diversificar a pauta de exportações de alimentos e produtos à base de fibras, madeiras, cosméticos, medicamentos de origem fitoterápica, bebidas, sucos, temperos, tintas e condimentos; porque pode responder, junto com agricultura e pecuária de porte médio, também à pauta de exportações hoje vigente, porém com outro modelo e outra qualidade nutricional baseada nas formas ecológicas de produção.

 

A agricultura camponesa e as grandes crises

A sociedade atual é uma sociedade em crise. A grande crise é a crise do sistema capitalista. Mas se revela em múltiplas crises.

Crise ambiental: esta crise se manifesta no aquecimento global e na crise do clima, que impacta na disponibilidade de água e na produção de alimentos; no esgotamento e na apropriação privada dos bens da natureza, que já não se reconstituem na velocidade em que são consumidos; no excesso de lixo produzido pelo consumismo; no uso das fontes fósseis de energia e no consumo insustentável de energia; esgotamento dos solos agrícolas e destruição das matas; e tantos outros problemas de magnitude global provocados pela crise ambiental.

Crise alimentar: revela-se também em várias facetas. Escassez de alimentos. Alimentos envenenados e dependência de agrotóxicos. Baixa qualidade nutricional. Fome de um lado e obesidade de outro. Aumento de doenças causadas por má alimentação. Redução drástica do sistema imunológico humano por alimentação inadequada, padronizada, de baixa diversidade, contaminada por agrotóxicos, anabolizantes, transgênicos e antibióticos. Esgotamento dos recursos tecnológicos do agronegócio e baixa flexibilidade técnica.

Crise sanitária: a pandemia do coronavírus é mais uma manifestação de uma crise que vem se manifestando faz tempo, quando o câncer, as alergias, as doenças do sistema digestivo e as depressões, com forte influência de agrotóxicos que atuam no sistema nervoso central, já fazem parte do quotidiano do campo e das cidades interioranas dependentes do agronegócio.

As formas camponesas de produzir e viver trazem respostas muito mais convincentes e adequadas para que o conjunto da sociedade enfrente estas três crises, do que o agronegócio e o latifúndio com sua maximização do lucro a qualquer custo, sua dependência da indústria química, sua petrodependência, sua necessidade de expansão territorial permanente avançando sobre florestas e mananciais de água, sua dependência do capital financeiro, seu sistema de monocultivos.

Agroecologia responde à crise ambiental.

Produção de alimentos variados em alta escala responde à crise alimentar.

Alimentação saudável e biofármacos respondem à crise sanitária, pois reforçam os fatores indutores de boa saúde física e mental.

Para o bem do conjunto da sociedade, a reforma agrária e a agricultura camponesa são respostas efetivas às crises ambiental, alimentar e sanitária.

 

 O plano camponês

Trata-se de um projeto de caráter estratégico para reinventar, reorganizar, revolucionar e reconstruir a agricultura brasileira em outras bases sociais, ecológicas, territoriais e econômicas.

O Movimento dos Pequenos Agricultores debate, constrói, propõe e defende um Plano Camponês, estratégico, consistente e de longo prazo que tem os seguintes eixos estruturantes:

  • Políticas do Estado Brasileiro voltadas para a reestruturação da agricultura camponesa no Brasil, valorizando e reconstruindo as comunidades camponesas, mantendo a juventude no campo, garantindo renda, energia elétrica, saúde, educação, habitação, água potável e projetos produtivos e de abastecimento popular;
  • Implementação, em larga escala, de um sistema científico e tecnológico de base ecológica, que preserve o meio ambiente, que combine produção de alimentos e energia com preservação ambiental, investindo em educação, pesquisa e formação de camponesas/es e técnicos voltados à implantação de formas ambientalmente sustentáveis de produção agrícola, pecuária, florestal, farmacêutica e energética;
  • Gestão e distribuição da água para as necessidades básicas da população com projetos sustentáveis;

– Garantia do território agrário nacional sob o controle de pequenos e médios agricultores, pecuaristas, pescadores artesanais, quilombolas, indígenas, povos das águas e das florestas, voltados a garantir as necessidades básicas do povo brasileiro, a soberania nacional e nosso desenvolvimento como Nação, preservando os biomas, os ecossistemas e a integridade das comunidades camponesas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e das florestas, desconcentrando a propriedade da terra através de um programa massivo de reforma agrária, e proibindo a compra de áreas rurais por pessoas ou grupos estrangeiros;

-Garantia da soberania territorial, alimentar, genética, hídrica, energética e científica da Nação e do Povo Brasileiro.

Nesse projeto popular pode-se revalorizar a agricultura como um todo (a agricultura de porte médio, por exemplo) e a agricultura camponesa cooperada e cooperativada, de modo especial e reorganizar a agricultura sobre a base de um programa de distribuição de renda, que eleve os níveis de consumo na cidade, com a garantia de preços justos, para aumentar a renda camponesa e na garantia de abastecimento popular com alimentação de qualidade, comida de verdade.

 

Políticas de Estado

Para promover a agricultura familiar camponesa, propomos um “Programa Camponês”, assumido como política de Estado, que, entre outros elementos, consiste:

– Distribuição da propriedade da terra, reforma agrária popular;

– Garantia de direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais e povos originários;

– Políticas específicas para a transição de geração e retorno e permanência da juventude no campo (nova geração camponesa);

– Estímulo à cooperação e ao cooperativismo orientados pelos princípios da economia social e solidária (e não como elos subordinados às cadeias do agronegócio);

– Crédito “desbancarizado” e desburocratizado;

– Intensificação e desburocratização de programas e projetos de compras institucionais de alimentos da agricultura familiar camponesa;

– Fomento público a redes territoriais de agroecologia, contribuindo para impulsionar dinâmicas massivas e descentralizadas de transição agroecológica;

– Investimento nas unidades de produção camponesas: criação de condições de reestruturação para produzir alimentos, em especial, através de biomineralização do solo: recuperar a fertilidade dos solos com utilização de pó de rochas, adubos orgânicos, adubos verdes e biofertilizantes; controle biológico de pragas e doenças.

– Kit soberania alimentar: investimentos em diversificação da produção para abastecimento popular, com hortas, pomares de frutas, criação de pequenos animais e sementes;

– Introdução e ampliação do Pastoreio Racional Voisin (PRV): pastagens perenes para ampliar a produção leiteira e de carnes; Resfriadores: qualificar a armazenagem do leite;

– Ampliação da fruticultura e estímulo ao consumo de frutas;

– Mudas: instalar viveiros de mudas florestais, frutícolas e de olerícolas;

– Sementes crioulas e varietais: autonomia na produção de sementes para o uso dos próprios agricultores;

– Máquinas e equipamentos agrícolas adequados e adaptados: proporcionar a mecanização das atividades agrícolas, ampliando a produtividade do trabalho nas unidades camponesas;

– Irrigação: recursos para irrigação, aquisição de máquinas para construção de açudes, cisternas para produção e aquisição de equipamentos de irrigação;

– Processamento e agroindustrialização da produção: formas de cooperação para a constituição de unidades agroindustriais cooperadas, de sucos, conservas, carnes e pescado, embutidos, laticínios, beneficiamento de grãos;

– Unidades de beneficiamento de sementes: de porte pequeno e médio, distribuídas em todo o território nacional, para produção agroecológica;

– Biofábricas de insumos: com o objetivo de produção massiva de insumos agroecológicos como fertilizantes naturais e biofertilizantes e de agentes biocontroladores de pragas e doenças;

– Armazenagem, logística e distribuição: construção de estruturas de secagem, armazenagem e veículos para transporte dos alimentos. Instalação de centros logísticos de recolhimento e distribuição de alimentos em regiões estratégicas e centros urbanos.

– Pagamento por serviços ecossistêmicos – com sistema público de remuneração para camponeses, agricultores familiares, povos tradicionais, indígenas, quilombolas, povos das águas e das florestas – para proteção de nascentes, proteção de correntes de águas e margens de rios, proteção e manutenção da biodiversidade vegetal e animal, proteção de florestas, proteção de paisagens, descarbonização do planeta e produção de ar puro, entre outros.

[1] CARVALHO, Horácio Martins de (0rg.) Chayanov e o campesinato. São Paulo:  Expressão Popular, 2014.

[2] DELGADO, Guilherme Costa. Do Capital Financeiro na Agricultura à Economia do Agronegócio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012

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