Artigo

Artigos Recentes

A posição da mulher militar no governo Bolsonaro: propagação de ideias de extrema direita e fake news sob o pretexto do empoderamento

Mariana Gravina Prates Junqueira e Pedro Custódio

Mariana Gravina possui graduação em Ciências Sociais pela UNICAMP (1998). Mestre em Ciências Sociais - Antropologia pela PUC-SP. e Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP. Pedro Custódio é mestrando em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, Cientista Social.

Compartilhe este texto

O governo Jair Bolsonaro reúne atoras políticas que se destacam pela aderência a ideias de extrema-direita e a ideologias militares, ao mesmo tempo em que são agentes difusoras importantes no cenário eleitoral de 2022. A identificação destas atoras, seguida de análise de seus discursos, indica a existência da construção de uma posição social da mulher bolsonarista, conservadora e religiosa, porém atrelada por seu próprio campo político a um pretenso empoderamento feminino.

Essas atoras afirmam e difundem as ideologias do governo e dos militares, buscando identificação com eleitoras que hoje rejeitam a candidatura de Bolsonaro. Defendem a importância da mulher na sociedade como “anjo do lar”, sua relação com a religiosidade e a tradição e, em alguns casos, tornaram-se porta-vozes da ideologia militar.

No presente texto destacamos os papeis das deputadas federais Carla Zambelli (PL) e Major Fabiana (PL), além da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Trata-se de mulheres que são elas próprias militares ou compõem famílias militares.

A família militar é enaltecida como um exemplo de unidade societária e neste âmbito se destaca a deputada federal Carla Zambelli (PL), caracterizada por longa atuação como militante de direita e celebridade da internet. Suas primeiras aparições se deram em manifestações associadas ao FEMEN Brasil, então chefiado por Sara Winter. A transição para uma pauta explícita de direita se deu em 2011, quando foi uma das criadoras do movimento Nas Ruas, focado na ideia de combate à corrupção. O movimento ganhou mais repercussão durante o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (2015) em que, junto com grupos como MBL e Vem pra Rua! Foi um dos principais criadores de conteúdos e convocações de manifestações pró-impeachment.

Ao obter projeção nacional durante o processo de impeachment, Zambelli assumiu posições mais à direita. Foi eleita deputada federal por São Paulo em 2018, pelo PSL. Atualmente está no PL e manifesta lealdade absoluta ao presidente Bolsonaro. Declara-se cristã, conservadora e monarquista. Apesar de não declarar publicamente a qual religião cristã pertence, possui forte ligação com o grupo católico ultraconservador Arautos do Evangelho, pelo menos postando uma vez por semana uma mensagem de um sacerdote do Arautos, Padre Alex Também foi cobrada por uma de suas apoiadoras se poderia interceder em relação à sua filha, em um dos muitos casos de alienação parental ligados ao grupo religioso; a deputada esquivou-se da cobrança. Foi uma das organizadoras das manifestações de 1º de Maio e uma das comentadoras da cobertura das manifestações bolsonaristas pela rádio Jovem Pan.

A deputada Carla Zambelli e o coronel Aguinaldo, então Diretor da Força Nacional de Segurança, casaram-se em fevereiro de 2020, tendo realizado ao menos três cerimônias: uma em Brasília, uma no Mosteiro dos Arautos do Evangelho e outra na igreja do Pastor André Valadão, na Flórida (EUA). Conheceram-se no início de 2019, por meio do gabinete do então Ministro da Justiça Sérgio Moro, que foi padrinho de casamento do casal, ao lado de   nomes do campo conservador como Ives Gandra Martins e o então ministro da educação Abraham Weintraub.

O Coronel se caracteriza por sua carreira nas forças armadas, com destaque em relação à sua atuação como comandante da Força  Nacional e por representar, de certa forma, o apoio ao projeto bolsonarista dentro das forças militares, enquanto Zambelli  é uma das principais propagadoras de fake news do campo político bolsonarista, com inúmeros casos desde acusações  de que   o governo do Estado do Ceará estaria “inflando” os números de COVID do estado a  caixões serem enterrados vazios em Manaus, entre outros casos durante seu mandato como deputada.  Nas dinâmicas de suas redes sociais, a sua candidatura e a de seu marido são apresentadas como uma coisa só.  Recentemente, o Coronel passou a publicar mais amiúde, devido à proximidade do período eleitoral, embora seu foco seja na questão armamentista e valorização das forças armadas, sobre a qual declara ser “200% Armamentista”. Zambelli se empenha   na divulgação da campanha do marido em suas redes sociais, amplificando seu alcance. Também reproduz o conteúdo da página de seu irmão Bruno Zambelli, pré-candidato a deputado estadual por São Paulo.

Zambelli é presidente da Frente Parlamentar Lealdade Acima de Tudo, uma frente eleitoral constituída em torno de três pontos: valores militares e familiares, anticomunismo e lealdade ao Presidente Jair Bolsonaro. Podemos pensar neste fenômeno como tendo Zambelli como grande centralidade, pois, todos seus colegas da frente pouco citam uns aos outros, porém citam a deputada com extrema frequência, isso quando não apenas reproduzem conteúdo produzido por ela.

Nesse sentido, Zambelli está alinhada aos objetivos políticos do governo Bolsonaro e tem se posicionado, como a principal articuladora de uma bancada bolsonarista para a Legislatura 2023-2026. A frente, lançada em 10 de agosto em Brasília, é composta por 23 pessoas, entre artistas, atletas e militares, parte deles já com mandato na atual legislatura, parte buscando a primeira eleição em 2022. Nove dos vinte e quatro nomes perfilados nesta pesquisa fazem parte da frente, são eles: deputado Capitão Alberto Neto, deputado Chrisóstomo de Moura, deputado estadual Cabo Gilberto Silva (pré-candidato a deputado federal), deputado estadual Tenente-Coronel Zucco (pré-candidato a deputado federal), deputada Major Fabiana, deputado General Girão, Silvia Waiãpi e Coronel Aginaldo (marido de Carla Zambelli).

Entre os participantes da frente, o único que não está filiado ao PL, partido de Bolsonaro, é o tenente-coronel Zucco, que chegou a se filiar ao partido do presidente, mas entrou em conflito com correligionários locais e migrou para o Republicanos com o aval de seu padrinho político, o vice-presidente Mourão.

A frente representa, na realidade, a ala mais bolsonarista do PL e na prática funciona como um partido paralelo de Bolsonaro. Seus membros adotam um leiaute similar no Instagram, a temática de suas publicações nas redes sociais coincide temporalmente com alguma frequência (ataque a instituições da República quando estas contrariam os interesses de Bolsonaro, críticas a opositores quando alguma agenda está em pauta.

As referências de vinculação institucional apresentadas ao eleitor nas redes sociais giram em torno do núcleo do bolsonarismo ideológico, tanto em termos de temáticas quanto de estética. Algumas teses são centrais em suas divulgações, como os valores militares.  O casal se coloca como um caso típico do que o pesquisador Celso Castro denomina de família militar, ou seja, uma “categoria nativa” das Forças Armadas, que as constituem como  á parte da sociedade civil, núcleos familiares que se constituem em torno de suas relações com as Forças Armadas (Castro, 2017). O Coronel é militar e embora  Zambelli não o seja, goza do prestígio de ser esposa, tendo mostrado seu comprometimento com os valores militares ao matricular seu filho, anterior ao casamento com o coronel, em uma escola militar. Carla Zambelli, afirma que ética, civismo e lealdade são valores representados pela instituição das Forças Armadas.

Afirma que o STF é contrário à liberdade e trabalha pela ruptura institucional, sendo o ministro Alexandre de Moraes a personificação desse autoritarismo. cujas decisões,  na apenas referentes ao caso Daniel Silveira (propondo um projeto de “Lei de Anistia” para Silveira manter os direitos políticos em 2022),  como também as que se referem  a outros  casos são continuamente  colocadas sob escrutínio.

Também ataca a veracidade das pesquisas eleitorais, uma vez que os eventos ligados ao presidente Bolsonaro, como as manifestações de 1º de Maio, são provas de que a liderança de Lula nas pesquisas é falsa. A mídia tradicional é considerada hipócrita, assim faz postagens em que compara manchetes de grandes jornais com as de veículos bolsonaristas. Nessas postagens os veículos hipócritas costumam ser a Folha de São Paulo e O Globo e as verdadeiras seriam as manchetes da revista Veja. Concede muitas entrevistas e divulga bastante material do grupo Jovem Pan, cuja linha editorial é completamente alinhada ao governo Bolsonaro.

É grande difusora das ideias de que Bolsonaro é perseguido, pois se trata de um presidente competente que está colocando ordem no país, por meio dos valores militares. O tema do socialismo está presente no discurso da deputada: assim em uma postagem de 1º de abril, intitulada “dia do socialismo que dá certo”, postou uma montagem de líderes supostamente socialistas: Ciro Gomes, Kim Jong-un , Guilherme Boulos, Fernando Henrique Cardoso, Fidel Castro, Jean Wyllys, Dilma Rousseff e  Karl Marx, a esquerda bandidolatra.

A deputada também chama Lula de ladrão e mentiroso (“o pai da mentira”), “presidiário”, “candidato que não pode sair às ruas”, e que por esse motivo a esquerda estaria desesperada; escarnece de Deus, ao afirmar que Deus é petista. Lula incitaria o assédio á mulheres parlamentares e seus filhos, após a declaração de eleitores irem ás casas de parlamentares para cobra-los.  Uma figura recente de ataque é Geraldo Alckmin, Zambelli costuma   postar os atritos passados entre Alckmin e Lula, como prova da hipocrisia de Alckmin.

Apesar do grande desgaste do discurso bolsonarista entre as mulheres, que constituem o segmento da sociedade com maior rejeição ao candidato Bolsonaro, não é apenas Zambelli que difunde os valores militares e a ideologia da direita bolsonarista repleta de fake news, mas também a policial militar, Major Fabiana.

Por sua vez, Major Fabiana é major da reserva da PMERJ e Deputada Federal pelo estado do Rio de Janeiro e atua especificamente na baixada fluminense. Possui atuação em redes sociais com um histórico e visibilidade relativamente antigo.  Em 2009, foi uma, de um grupo de 11, policiais punidos administrativamente por fornecer segurança particular á LIESA (Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro). Seu primeiro momento de fama, foi em 2014 devido a viralização de um vídeo seu atuando na favela do Jacarezinho, ao impedir o incêndio de um ônibus com arma em punho e salto alto. Posteriormente, ficou famosa por reportagens de jornais explorando o seu uso de elementos associados ao universo feminino em uma profissão tradicionalmente vinculada à masculinidade, como a divulgação de fotos suas passando batom antes de uma operação.

Foi Subcomandante do 22º Batalhão da Polícia Militar (Maré), e apoiadora de primeira hora das gestões Crivella e Witzel, , abandonando-as  posteriormente. Na gestão Witzel , ocupou cargo breve de Secretária Estadual de  Vitimização e  Amparo  a  Pessoas com Deficiência entre setembro e outubro de 2019. Saiu   em meio ás  crises internas no PSL, durante o mesmo período.

Foi eleita deputada federal em 2018 e teve total adesão á s pautas bolsonaristas, pode ser considerada membro do núcleo duro bolsonarista, e alinhada ao que tange às filiações partidárias ao Bolsonaro. Embora tenha ficado no PSL até 2022, e por um breve período no União, após a fusão de PSL e DEM, ela migrou para o PL.   Possui estreita relação ideológica com Carla Zambelli(que cita nas redes sociais com extrema frequência), Daniela Reinerh, Olavo de Carvalho; com menos frequência, Damares Alves e  Abraham Weintraub.  É envolvida com o PRAVIVER (Projeto Renascer, Servir e Proteger) que segundo o portal do Governo Federal, seria caracterizado pela:

Implementação e desenvolvimento de núcleos de atendimento a vitimados das Forças de Segurança e outras pessoas com deficiência e seus familiares, visando capacitar e reintegrar socialmente, garantindo o acesso às atividades de reabilitação e prática esportiva, por meio da implementação de núcleos para práticas, com atividades de Atletismo, Exercício Funcional, Bocha Adaptada, Musculação e Para-badminton.

Em suas redes sociais, Major Fabiana coloca publicações, formatadas por sua equipe e sem fontes, que mostram uma série de teses sobre direitos humanos, fraude eleitoral, capacidade de governo de Bolsonaro, patriotismo, nação e família e Lula.

A Major constantemente posta conteúdo ridicularizando ativistas de direitos humanos; em sua última postagem sobre o assunto, em particular, ridicularizou Marcelo Freixo, e seu pedido de aumento de escolta policial. Divulgou também que o TSE teria contratado um supercomputador que teria atrasado a apuração durante as eleições de 2020, levantado suspeição sobre sua competência e assim, defende o voto impresso e auditável. Enaltece a alta competência da política econômica de Bolsonaro e Guedes (suposto crescimento do PIB em 2020-21 maior do que em 2014-15). Em relação ao STF, defende que o caso de Daniel Siqueira, é um exemplo de interferência autoritária do STF no legislativo, alegando defender, junto com a Frente Parlamentar Lealdade Acima de Tudo, a independência entre os poderes.  Sobre o Ministro Alexandre de Moraes, afirmou que seu lugar “ é a lata de lixo da história”.

A deputada   integra a Frente Parlamentar Lealdade Acima de Tudo e compartilha os valores militares, assim como Carla Zambelli. Considera também o presidente Bolsonaro um democrata que está limpando a nação da “esquerdopatia vil e mentirosa”, honesto, forte, mas perseguido (pela “mídia tradicional” e os “ esquerdopatas”) e está colocando o país, a economia e a segurança pública em ordem.

Foi uma das autoras de denúncia de Lula junto ao STF acusando  Lula de incitar a  invasão de propriedade privada e abolição violenta  do Estado democrático de direito.  Ainda foi autora de pedido de proibição da entrada de Lula no Congresso Nacional, pois considera o ex-presidente criminoso, possui um discurso lava-jatista, contudo abandonou o apoio a Sérgio Moro.

A difusão dos valores militares ocorre pelas próprias famílias militares, clubes, revistas, institutos, escolas, setores das forças armadas e redes sociais e o papel das mulheres não se restringe ao parlamento como as deputadas Zambelli e major Fabiana, mas também a primeira-dama Michele Bolsonaro foi incumbida de grande desafio de convencer as mulheres a votar em seu marido e fidelizar o voto evangélico. Para tanto,  partiu de narrativas maniqueístas, similares às lógicas de propagandas totalitárias em que os aliados do governo são apresentados como impolutos, defensores do bem, que prezam pela prosperidade da sociedade e agem de maneira colaborativa, enquanto os opositores são tratados como inimigos, agentes que buscam dividir a sociedade e destruir valores que balizam a vida em comunidade. Os “inimigos da nação” são todos os que discursem ou ajam contrariamente aos interesses do governo Jair Bolsonaro, sejam adversários históricos, sejam ex-aliados que desembarcaram do governo.

A primeira-dama, que amplia sua participação na campanha de Bolsonaro nos últimos meses, tendo participado de 15 compromissos públicos, parte para um discurso messiânico e espiritual no qual o presidente é o escolhido de Deus com um coração limpo e puro e ela é a responsável pelas orações, já que ora muito no Palácio do planalto. Sua forma de participação também avança nos valores da família tradicional, pois mesmo quando não faz o discurso, é ela responsável por passar o microfone para quem manda na família, o homem.

A disputa eleitoral é definida por Michele como uma guerra do bem contra o mal, mas destinada à vitória, pois Jesus já venceu na cruz do calvário por nós e as promessas do Senhor irá se cumprir em nossa nação. Declara também que feliz é a nação cujo Deus é o Senhor Jesus. Defende que o Palácio do Planalto já foi consagrado aos demônios, mas que hoje, ocupado pela família Bolsonaro, é consagrado ao Senhor

Seus discursos são permeados por conteúdo evangélico, destinado diretamente a esse público. As teses mais defendidas pela primeira-dama estão atreladas ao ex-presidente Lula, já que é considerado pelos bolsonaristas de falso cristão por defender do aborto, e representa o poder das trevas, com associações diabólicas e para combater o demônio, é necessária muita oração. A divulgação de sua prática de orar, procura possibilitar a conexão com todas as mulheres que oram no país, que acreditam na religiosidade e na família tradicional.

Logo após a afirmação de que a presidência esteve consagrada aos demônios nos governos do PT, Michele Bolsonaro compartilhou, nas redes sociais, um vídeo do ex-presidente Lula recebendo um banho de pipoca, destinado a proteger e eliminar energias negativas, em um evento na Assembleia Legislativa em Salvador, em agosto de 2021 que foi compartilhado pelo deputado Paulo Teixeira, dizendo “isso pode né”. A postagem original compartilhada pela primeira-dama era da vereadora Sonaira Fernandes. Nessa postagem a vereadora diz que Lula já entregou sua alma para vencer essas eleições e que se está lutando contra os “principados e potestades das trevas” e que os cristãos têm que ter coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã.

Os impactos dessa publicação foram distintos:  a comunidade das religiões de matriz africanas considerou uma expressão da intolerância religiosa, enquanto os apoiadores da Bolsonaro defendem que a primeira-dama apenas estava respondendo a críticas pessoais de seus discursos de fé de integrante da igreja evangélica pentecostal.

É possível perceber a centralidade que a participação de Michele Bolsonaro traz para o tema da mulher, família, Deus, pátria e valores militares. Essa participação vem fortalecer o papel da mulher de porta voz de um discurso centrado em valores cristãos, na fé de que Bolsonaro é um escolhido de Deus e no mote guerra do bem contra o mal.

É notória a influência que as três figuras políticas pretendem exercer no universo da mulher evangélica, militar, conservadora ou tradicional. Seus discursos procuram divulgar teses consagradas do campo da direita, do conservadorismo e do reacionarismo para outras mulheres com objetivo de alcançar mais eleitoras e identificação.

Referência Bibliográfica

Castro, Celso. A Família Militar no Brasil: transformações e permanências. Rio de Janeiro: FGV, 2017.

Vídeo de lançamento da Frente Parlamentar Lealdade acima de Tudo: https://www.facebook.com/watch/?v=4571252694889

https://www.youtube.com/watch?v=FSlJ7J8BFJw&ab_channel=MorningShow

https://www.youtube.com/watch?v=WlZvzLTn-xY&ab_channel=MeteoroBrasil