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Política de segurança pública no Rio Grande do Sul: paradigmas predominantes entre 2007 e 2018

Carlos Robério Garay Corrêa*

Mestre em Segurança Cidadã e Especialista em Segurança Pública, Cidadania e Diversidade.

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O presente artigo relata de forma sucinta o estudo realizado para a elaboração da dissertação de Mestrado em Segurança Cidadã apresentada ao Programa de Pós Graduação em Segurança Cidadã da UFRGHS, com o propósito contribuir para o esclarecimento de qual ou quais foram os paradigmas de segurança pública que predominaram, no Rio Grande do Sul, na área da segurança pública, no período compreendido entre 2007 e 2018. Na dissertação descrevo as políticas de segurança pública desenvolvidas, no Rio Grande do Sul, neste período. Ademais, por meio das categorias de análise (objetivos, conceito de violência, papel do Estado, papel dos indivíduos e estratégia de política pública), desenvolvidas por Freire (2009), com vistas à identificação dos núcleos paradigmáticos dos paradigmas de segurança pública vigentes, no Brasil (paradigma de Segurança Nacional, Segurança Pública e Segurança Cidadã), analisamos as influências paradigmáticas que orientaram as políticas públicas de segurança dos governos Yeda Crusius, Tarso Genro e José Sartóri, assim como a evolução paradigmáticas destas políticas governamentais. Neste artigo, apresentaremos algumas das reflexões que compuseram a referida dissertação.

A Organização Mundial das Nações Unidas, na década final do século XX, propõe, em nível global, um profundo exame sobre os reflexos econômicos, sociais e culturais decorrentes das transformações vivenciadas pela sociedade contemporânea. De acordo com José Vicente Tavares dos Santos (2014, p. 20), entre os principais temas propostos para este debate mundial, estão as questões sociais relacionadas à violência e à criminalidade, as suas diversificadas formas de expressão, bem como as concepções e estratégias constituídas para enfrentá-las.   Deste modo, conforme Santos (2014), as questões sociais relacionadas a violência socialmente generalizada, as novas formas de realização e desenvolvimento da criminalidade, a violência contra grupos socialmente vulneráveis e também o debate sobre o fortalecimento da cidadania na constituição de modelos de segurança, com carácter universal e democrático, constituído “como um direito fundamental da modernidade”, passam a fazer parte da agenda mundial de debates provocado pela Organização Mundial das Nações Unidas.

Para Santos (2014, p. 19-20), o debate sobre “as novas questões sociais globais” se desenvolve em diferentes momentos, tais como a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realizada no ano de 1993 na Áustria, nos fóruns Sociais Mundiais e também na I Conferência brasileira de Segurança Pública no ano de 2009, já no período de implantação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania no Brasil.

No Brasil, nas últimas décadas, conforme Moema Dutra Freire (2009, p. 101), a crescente sensação de insegurança da população aliada ao aumento dos indicadores de criminalidade e violência tem promovido um intenso e generalizado debate nos meios acadêmicos e na sociedade sobre as políticas propostas e executadas na área da segurança pública.

Expressos majoritariamente nas grandes cidades brasileiras e suas áreas periféricas, estes significativos aumentos dos índices de criminalidade e violência, em paralelo a insuficiência das políticas públicas propostas pelas estruturas de Estado para o controle deste contexto social, constituem um cenário no qual as políticas públicas para a área da segurança passam a fazer parte, de forma permanente, da agenda política nacional proporcionando um intenso debate sobre a reestruturação e inovação das políticas públicas de segurança, inclusive sobre a possibilidade de adoção de novos paradigmas (CANO, 2006, p. 137).

A formulação de políticas públicas voltadas à área da segurança no Brasil e as estratégias adotadas ao longo do tempo e em diversos espaços geográficos, para fazer frente aos processos sociais que envolvem a violência disseminada socialmente, de acordo com Freire (2009, p. 101), estão fundamentadas teoricamente em paradigmas de segurança pública. Identificar os diversos paradigmas de segurança que orientaram e orientam a constituição de políticas públicas de segurança no Brasil é importante para que se conheçam os interesses que representam os agentes responsáveis pela elaboração e execução das políticas e os reflexos sociais delas decorrentes.

O conceito de paradigma relacionado a cosmovisões assemelhadas com capacidade de intervenção e de condicionamento do pensamento de um determinado grupo, em uma determinada época e local, tanto no desenvolvimento da ciência como na concepção de políticas públicas, desenvolvido por Freire (2009, p. 101) a partir das reflexões de Thomas Kuhn, constitui-se em um importante referencial teórico para o entendimento da evolução do processo histórico que envolve os paradigmas de segurança pública no Brasil.

De acordo com Moema Dutra Freire (2009), os principais paradigmas que inspiraram e induziram a formulação das políticas públicas de segurança no Brasil partir da década de 1960, foram os paradigmas de Segurança Nacional, Segurança Pública e Segurança Cidadã. A reflexão sobre o processo histórico que envolve a formulação e o desenvolvimento das políticas públicas voltadas a área de segurança no Brasil e a sua relação com o desenvolvimento e fortalecimento de paradigmas na área da segurança pública, os interesses a que estão vinculados e o significado que emprestam como elementos teóricos fundantes na elaboração e execução das políticas de segurança, em momentos e regiões distintas no país, é um exercício de natureza intelectual que concorre para compreensão dos processos contemporâneos que envolvem a violência difundida socialmente, a sua natureza multicausal e as suas diversificadas formas de expressão (FREIRE, 2009; SANTOS, 2014).

Na segunda metade dos anos 1990, a democracia brasileira vivencia um período de relativa estabilidade política, e ao mesmo tempo de consolidação da influência do pensamento neoliberal no Brasil, durante as gestões de Fernando Henrique Cardoso, período no qual também ocorre uma transição paradigmática na área da segurança pública, conforme conceituação de Moema Dutra Freire (2009), do paradigma da Segurança Nacional para o paradigma da Segurança Pública.

No início do novo século, a jovem democracia brasileira enfrenta um dos seus maiores desafios. Em 2003, assume a Presidência da República, um líder sindical operário de origem nordestina de forma inédita no país, provocando enormes expectativas sociais.

O Brasil experimenta na primeira década do século XXI uma significativa expansão e consolidação de suas políticas públicas nas áreas da educação, da habitação, da assistência social, da saúde, materializando quase vinte anos depois, muitas das proposições da Constituição de 1988. A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Programa Juventude Viva, Programa Universidade para Todos, Minha Casa Minha Vida, entre outros, exemplificam a ascensão das políticas públicas resultantes de ações políticas históricas dos movimentos sociais brasileiros.

Na área da segurança pública, o projeto de cooperação técnica entre o Brasil e as Nações Unidas chamado “Segurança Cidadã” em 2003, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania em 2007 e a 1° Conferência Nacional de Segurança Pública em agosto de 2009 simbolizam momentos importantes no sentido da constituição de um novo paradigma de segurança pública no Brasil.

Nossa pesquisa procurou identificar influências paradigmáticas na área da segurança pública no Rio Grande do Sul entre 2007 e 2018, coincidindo em parte com período de ascensão da influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre as políticas públicas de segurança em nível nacional.

Tomamos como referência os paradigmas na área da segurança pública (Segurança Nacional, Segurança Pública e Segurança Cidadã) e as categorias de análise que visam identificar os núcleos centrais dos paradigmas (traços mais significativos que permitem a identificação e a diferenciação dos paradigmas) na área de segurança pública vigentes no Brasil após os ano de 1960 (objetivos, conceitos de violência, papel do Estado, papel dos indivíduos e estratégia de políticas públicas) propostos por Moema Dutra Freire, buscando identificar as políticas públicas de segurança desenvolvidas no Rio Grande do Sul, no período de 2007 a 2018.

Na pesquisa que realizamos, analisamos o Programa de Governo da candidata Yeda Crusius e da Coligação Rio Grande Afirmativo (2006), o Programa de Governo do candidato Tarso Genro e da Coligação Unidade Popular Pelo Rio Grande (2010) e o Programa de Governo do candidato José Ivo Sartori e da Coligação O Novo Caminho Para o Rio Grande (2014). Analisamos também a Mensagem da Governadora Yeda Crusius à Assembleia Legislativa, de 2007 e 2008 (RIO GRANDE DO SUL, 2007, 2008), as Mensagens do Governador Tarso Genro à Assembleia Legislativa, de 2011 e 2012 (RIO GRANDE DO SUL, 2011, 2012) e as Mensagens do Governador José Sartori à Assembleia Legislativa de 2015 e 2016 (RIO GRANDE DO SUL, 2015, 2016). Entrevistamos ainda, os Secretários de Estado da Segurança Pública do Rio Grande do Sul mais longevo dos Governos Yeda (Edson de Oliveira Goularte – 27.7.2008 a 31.12.2010), Tarso (Airton Aloísio Michels – 01.01.2011 a 31.12.2014) e Sartori (Cesar Augusto Schirmer – 09.9.2016 a 31.12.2018).

Em nossa análise, com base nos estudos de Moema Dutra Freire (2009), ao utilizarmos os objetivos da política pública de segurança, o conceito de violência associado à política pública de segurança, o papel do Estado em relação à política pública de segurança, o papel dos indivíduos em relação à política pública de segurança e a estratégia de política pública associada à política pública de segurança, como categorias de análise para a identificação de pistas da influência dos paradigmas de segurança pública sobre as políticas de segurança pública do governo do Rio Grande do Sul, encontramos a seguinte situação:

Em relação aos objetivos da política de segurança pública do Governo do Estado do Rio Grande do Sul durante a gestão da Governadora Yeda Crusius, constatamos a convergência entre as informações obtidas através dos documentos analisados e as manifestações do general Goularte, que a política de segurança pública do governo estadual estava orientada para a preservação da ordem pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio, apresentando portanto, características associadas ao paradigma de Segurança Pública.

Com base nos estudos realizados por meio das Mensagens da Governadora à Assembleia Legislativa, do Programa de Governo da Coligação Rio Grande Afirmativo e da entrevista com o ex-Secretário da Segurança Pública, identificamos a ameaça à integridade das pessoas e do patrimônio como o conceito de violência associado à política pública de segurança do Governo Yeda Crusius indicando a influência do paradigma de Segurança Pública sobre esta política. Há de se destacar que o ex-Secretário da Segurança Pública do Governo Yeda, embora tenha sido bastante claro ao identificar na ameaça à integridade das pessoas e do patrimônio o seu conceito de violência, apresentou uma visão na qual tem destaque o seu entendimento sobre a amplitude e origem multicausal do fenômeno da violência. Também é importante destacar que o Programa Estadual de Prevenção à Violência conceitua a violência como um problema de saúde pública e não apenas como uma questão de polícia.

O papel do Estado em relação à política pública de segurança do Governo Yeda Crusius, tem como prioridade o controle e a prevenção da violência com foco nas estratégias de repressão à violência e destina papel preponderante às instituições policiais na implementação da política de segurança. Apesar do papel hegemônico do Estado associado ao paradigma de Segurança Pública, o Programa Estadual de Prevenção à Violência, embora de forma quase isolada, indica a existência de políticas setoriais articuladas que dialogam com o tema da segurança, indicando características de uma política de Segurança Cidadã. O general Goularte (2019) associa o papel do Estado à prerrogativa do uso da força para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio como um elemento central, mas ao mesmo tempo, destaca a importância da participação social no desenvolvimento das políticas de segurança. O Programa de Governo também faz referência à participação dos diversos entes federados no desenvolvimento da política de segurança pública, assim como a constituição dos Conselhos de Segurança em nível municipal, no entanto, nas Mensagens à Assembleia Legislativa de 2007 e 2008, não são mais encontradas referências a estes conselhos. Ou seja, a análise documental nos indica uma influência hegemônica do paradigma de Segurança Pública em relação ao papel do Estado diante das políticas de segurança do Governo Yeda Crusius, mas ao mesmo tempo apresenta algumas características do paradigma de Segurança Cidadã, indicando a coexistência de influências paradigmáticas.

Entre as características que podem identificar o papel dos indivíduos em relação às políticas de segurança do Governo Yeda Crusius,  encontramos no Programa de Governo da Coligação Rio Grande Afirmativo, a proposição de constituição dos Conselhos de Defesa e Segurança Comunitários em atendimento a dispositivo legal da Constituição Estadual, no entanto, na Mensagem da Governadora à Assembleia Legislativa, em 2007 e 2008, não encontramos qualquer ação que pudessem indicar a concretização desta proposição.

As referências ao papel dos indivíduos nos processos que envolvem a política pública de segurança apresentadas nos textos da Mensagem da Governadora à Assembleia, em 2007 e 2008, estão relacionados à condição dos indivíduos como beneficiário das políticas.

Embora a importância dada pelo ex-Secretário de Segurança Pública à participação social no desenvolvimento da política pública para a área da segurança, e da proposta contida no Programa de Governo em relação à criação dos conselhos, nos demais documentos analisados, as referências e as proposições em relação ao tema praticamente inexistem.

Não encontramos entre as características da política de segurança pública do Governo Yeda, elementos que indiquem os indivíduos como o centro das políticas de segurança e com papel preponderante na gestão local das políticas de segurança. A restrição ao papel de beneficiários das políticas de segurança do governo, associadas a quase inexistência de informação de participação dos indivíduos nestas políticas públicas indicam a influência predominante do paradigma de Segurança Pública sobre a política de segurança do Governo Yeda.

A estratégia de política pública associada à política de segurança do Governo Yeda, de acordo com a documentação analisada, concentra-se na atuação das polícias, principalmente nas estratégias de controle da violência e concentra a execução das políticas de segurança no estado.

A proposta de criação dos Conselhos Municipais de Segurança e Defesa apresentada brevemente no Programa de Governo, embora uma ação associada a uma política de Segurança Cidadã, não ultrapassa o limite de proposição e não recebe mais nenhuma menção nas Mensagem da Governadora enviada à Assembleia, em 2007 e 2008, seja para renovar-se como proposta ou em ação realizada ou planejada.

O Programa Estadual de Prevenção à Violência apresenta características de políticas setoriais integradas voltadas para prevenção e controle da violência, atributo que o identifica como paradigma de Segurança Cidadã. Da mesma forma o ex-Secretário da Segurança Edson de Oliveira Goularte, na entrevista, identifica-se em suas respostas com o paradigma de Segurança Cidadã, no entanto, apresenta o Programa Estruturante Cidadão Seguro lançado em 2009 como síntese das ações do Governo Yeda na área da segurança pública. Este programa é composto de seis projetos, quatro deles destinados a estruturação das ações policiais e dois com foco no sistema prisional.

Enquanto no Brasil se amplia a influência de um novo paradigma de segurança pública, baseado em políticas de Segurança Cidadã, tanto no meio acadêmico quanto entre as políticas governamentais, no Rio Grande do Sul, entre 2007 e 2010, segundo o estudo que realizamos, a política de segurança pública, conduzida pelo governo estadual, recebe sólida influência do paradigma de Segurança Pública. As escassas referências ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania que ocorrem na Mensagem da Governadora a Assembleia Legislativa de 2008, estão restritas a um programa de financiamento habitacional destinado a servidores da área da segurança e a obtenção de financiamentos para a construção de presídios.  A adesão do Rio Grande do Sul ao Sistema Único de Segurança Pública (RIO GRANDE DO SUL, 2008) visa a estruturação do Gabinete de Gestão Integrada com o objetivo da integração total das ações de prevenção e repressão à violência e à criminalidade.

Mas nosso estudo também aponta, que tanto o Programa Estadual de Prevenção à Violência criado pelo Governo Yeda Crusius, como algumas percepções expressas pelo Secretário Estadual de Segurança Pública mais longevo do período, dialogam com conceitos e sensibilidades relacionados ao novo paradigma de segurança pública.

A campanha eleitoral de 2010 no Rio Grande do Sul coloca o tema da segurança pública no centro do debate político. O candidato da coligação partidária Unidade Popular Pelo Rio Grande, Tarso Genro, eleito em primeiro turno, desenvolveu sua estratégia eleitoral alinhada às ações do Governo Federal e às propostas da candidata presidencial Dilma Rousseff. Apresentou entre as suas principais propostas para a segurança pública, a criação do Programa Estadual de Segurança Pública com Cidadania, com a finalidade de plena implantação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania em âmbito estadual.

Em 2011, o Governo Federal altera a sua política para a área da segurança pública, e concentra as suas atenções em políticas de controle de fronteira e da segurança interna no país com vistas à realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014. Segundo a percepção do Secretário de Estado da Segurança Pública do Governo Tarso Genro, o governo da Presidenta Dilma Rousseff praticamente extingue o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, e o governo Rio Grande do Sul desenvolve sua política de segurança pública sem os recursos financeiros para a área da prevenção à violência até então disponíveis.

Considerando os objetivos da política de segurança pública do Governo do Estado do Rio Grande do Sul durante a gestão do Governador Tarso Genro como categoria de análise para a identificação de pistas da influência dos paradigmas de segurança pública sobre as políticas de segurança pública do governo do Rio Grande do Sul, encontramos a seguinte situação:

O Programa de Governo da candidatura Tarso Genro propõe um modelo de desenvolvimento orientado pela inclusão social e pelo enfrentamento às desigualdades em suas dimensões econômica, social e cultural com o estímulo e fortalecimento à cidadania e à convivência através da constituição de ambientes sociais democráticos destinados à partilha dos rumos da gestão pública, como formas de prevenção à violência. Nas Mensagens do Governador à Assembleia Legislativa, em 2011 e 2012 encontramos políticas públicas voltadas para a juventude, para as mulheres, e a livre orientação sexual, para a área da cultura, do esporte e do lazer, saúde e educação com a finalidade de promoção da convivência e da cidadania voltadas a prevenção à violência.

Com base nos estudos do Programa de Governo da Coligação Unidade Popular Pelo Rio Grande (2010), das Mensagens do Governador à Assembleia Legislativa, em 2011 e 2012 (RIO GRANDE DO SUL, 2011c, 2012), e da entrevista com ex-Secretário Airton Michels (2019), ao analisarmos os objetivos das políticas públicas desenvolvidas pelo Governo Tarso Genro na área da segurança, identificamos a associação destas políticas à promoção de convivência e cidadania com a finalidade de prevenção e controle da violência, caracterizando portanto, a influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre estas políticas públicas.

O conceito de violência deduzido da política pública de segurança desenvolvida pelo Governo Tarso Genro está associado aos fatores que ameaçam o gozo pleno da cidadania, à concepção de que a origem da violência tem múltiplas causas, e à exigência de adoção de estratégias multisetoriais de prevenção e controle para o enfrentamento da violência. As políticas públicas de segurança são desenvolvidas na perspectiva de enfrentamento à violência com foco nas ações de natureza preventiva, adotam estratégias interdisciplinares e multisetoriais e tem como objetivo a constituição e o fortalecimento da cidadania para que esta possa ser exercida plenamente. Estas políticas públicas apresentam características identificadas ao paradigma de Segurança Cidadã.

Após a análise documental do Programa de Governo do candidato Tarso Genro, das Mensagens do Governo à Assembleia Legislativa, em 2011 e 2012, e da entrevista com o ex-Secretário de Segurança Pública Airton Michels, entendemos que o papel do Estado em relação à política pública de segurança do Governo Tarso Genro está associado à implementação de políticas setoriais articuladas, com foco no âmbito local; ao envolvimento do governo federal, estados e municípios com a política pública de segurança do Rio Grande do Sul; e ao envolvimento de instituições responsáveis pelas políticas sociais, para além das instituições policiais, nas políticas de segurança pública. Estas características identificam a influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre o papel que cumpre o Estado diante das políticas públicas de segurança desenvolvidas pelo governo Tarso Genro durante o período analisado.

A cidadania ocupa papel central no desenvolvimento da política pública de segurança desenvolvida pelo Governo Tarso Genro no período estudado. O indivíduo é o centro desta política e seu principal beneficiário e a gestão local tem papel preponderante nestas políticas. A influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre a política de segurança pública do governo estadual neste período é identificada em propostas e ações apresentadas no Programa de Governo da Coligação da Unidade Popular Pelo Rio Grande e na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 2011 e 2012. O Secretário da Segurança Pública à época, embora afirme ter acordo teórico com a visão de Segurança Cidadã sobre o papel atribuído aos indivíduos em relação às políticas públicas de segurança, faz uma opção pelo conceito de Segurança Pública, pois entende que o envolvimento dos indivíduos em processos de enfrentamento a violência no atual quadro de insegurança pública, os coloca em situações de risco de vida.

A estratégia de política pública associada à política de segurança do Governo Tarso, de acordo com a documentação analisada, concentra-se na constituição de mecanismos de participação social, na promoção de ações de políticas públicas de segurança destinadas à comunidade, através de políticas públicas de segurança transversais, multidisciplinares e integradas com a finalidade de prevenção e controle da violência. Estas características associam a estratégia de política de segurança pública desenvolvida no período ao paradigma de Segurança Cidadã.

O Secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul entre 2011 e 2014, Airton Michels apresentou uma percepção mais complexa em relação à estratégia de política pública de segurança do que encontramos no Programa de Governo da Coligação Unidade Popular Pelo Rio Grande (2010), e nas Mensagens do Governador à Assembleia Legislativa, em 2011 e 2012 (RIO GRANDE DO SUL, 2011, 2012). Michels (2019) entendeu que a estratégia de políticas públicas para a área da segurança adotadas pelo Governo Federal a partir de 2011, ao concentrarem-se no controle das fronteiras do país e da organização interna para a realização de uma Copa do Mundo de Futebol bem sucedida em 2014, em detrimento do Programa Nacional de segurança Pública com Cidadania, até então orientador da política nacional de segurança pública, limitou o desenvolvimento da estratégia política do Governo Tarso Genro para a área da segurança.

Para Airton Milchels, o Governo Tarso Genro adotou como estratégia de política pública para a área da segurança o modelo de Segurança Cidadã, implementou políticas públicas como a da criação dos Territórios da Paz apesar da resistência de setores das áreas das polícias, no entanto, em decorrência das exigências impostas à área da segurança para a realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e pelas manifestações sociais de ruas de 2013, o governo estadual também adotou estratégias vinculadas ao paradigma de Segurança Pública.

Embora a desconstituição do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania em nível Nacional, até então o grande símbolo da política de Segurança Cidadã adotada pelo Governo Federal na primeira década deste século, no Rio Grande do Sul, de acordo com a documentação analisada, percebemos uma transição do paradigma de Segurança Pública para o paradigma de Segurança Cidadã do governo de Yeda Crusius para o governo de Tarso Genro.

Podemos considerar que esta transição paradigmática pode ter pequenos indícios em algumas posições expressas pelo ex-Secretário Edson Goularte e pelas orientações conceituais do Programa Estadual de Prevenção à Violência, ainda durante o Governo Yeda Crusius, embora este, marcadamente orientado pelo paradigma de Segurança Pública. Entretanto, é no Governo Tarso Genro que a transição em direção ao paradigma de Segurança Cidadã ocorre de forma clara.

O Programa de Governo de José Ivo Sartori para o governo do estado do Rio Grande do Sul, em 2014, anuncia o fim de um ciclo político e econômico no Brasil e no Rio Grande do Sul:

Neste momento, tanto o Brasil como o Rio Grande do Sul enfrentam uma situação complexa e desafiadora. Tudo indica que estamos diante do esgotamento de um ciclo político e que o desenvolvimento do país e do Estado requerem profundas mudanças. O Brasil experimentou importantes avanços nos últimos 30 anos: o processo de redemocratização liderado, não será demais lembrar, pelo MDB; o controle da inflação; a adoção de novos e mais produtivos padrões de distribuição de encargos entre os setores público e privado na prestação dos grandes serviços públicos; e, mais recentemente, a incorporação de um grande contingente de brasileiros a condições de vida mais dignas, a que se tem denominado de criação de uma nova classe média. A despeito disso, a verdade é que o desvirtuamento do sistema de representação política ocorrido nos últimos anos impõe inadiavelmente uma mudança de lideranças e de direção (COLIGAÇÃO O NOVO CAMINHO PARA O RIO GRANDE, 2014, p. 3-4).

A campanha eleitoral de Sartori apresenta a questão social com o objetivo de ampliação da inclusão social como centro do Programa de Governo da Coligação O Novo Caminho Para o Rio Grande. Como considera grave a situação das finanças públicas do Rio Grande do Sul, e entende que a receita não faz frente aos repetidos déficits orçamentários do estado, propõe a implantação de um novo modelo de gestão baseado no controle das finanças públicas para orientar os investimentos do Estado para as áreas de infraestrutura e logística e para a reestruturação dos serviços públicos prestados, focalizando a educação, a saúde e a segurança pública.

Baseados nos estudos realizados no Programa de Governo da Coligação O Novo Caminho Para o Rio Grande (2014), e na entrevista com o ex-Secretário da Segurança Pública Cezar Schirmer (2019), encontramos atributos da política pública de segurança associados à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, caracterizando objetivos de políticas de segurança associadas ao paradigma de Segurança Pública. O posicionamento do ex-Secretário da segurança optando conceitualmente pelos objetivos vinculados à política da Segurança Cidadã, mas pragmaticamente à de Segurança Pública, somados a propostas de ações para a área da segurança associadas ao paradigma de Segurança Cidadã, embora a predominância de objetivos vinculadas a visão de Segurança Pública, apresentam indícios de múltipla influencia paradigmática sobre o Programa de Governo.

Na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 2015, mesmo diante de pouco material para análise, podemos identificar atributos de políticas públicas de segurança associados tanto a objetivos identificados ao paradigma de Segurança Pública como ao paradigma de Segurança Cidadã entre as políticas de segurança do governo estadual (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 2016, embora a referência ao Programa das Comissões Internas de Prevenção à Acidentes e à Violência nas Escolas, e as ações da Secretária de Justiça e Direitos Humanos; identificadas com as características do paradigma de Segurança Cidadã, encontramos na ampliação de ações associadas a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, a influência predominante do paradigma de Segurança Pública (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

A análise documental realizada, em busca dos objetivos das políticas públicas de segurança desenvolvidas pelo governo Sartori no período em estudo, indica a predominância da influência do paradigma de Segurança Pública sobre as políticas de segurança desenvolvidas no Rio Grande do Sul, mas ao mesmo tempo, também aponta para a existência da influência do paradigma de Segurança Cidadã.

Na sequência da pesquisa, quando utilizamos o conceito de violência como uma categoria de análise para a identificação de paradigmas orientadores de políticas públicas para a área da segurança, o conceito de violência deduzido da política pública de segurança desenvolvida pelo Governo Sartori, no período em estudo, está associado ao paradigma de Segurança Cidadã, mas também é influenciado pelo paradigma de Segurança Pública.

O foco da proposta de política de segurança do Programa de Governo da Coligação O Novo Caminho Para o Rio Grande (2014), na proteção à integridade das pessoas e do patrimônio permite a sua associação ao paradigma de Segurança Pública, já na Mensagem do Governador Sartori à Assembleia Legislativa, em 2015, mesmo diante de poucas informações, vamos encontramos características do conceito de violência contido nas políticas de segurança do governo associados tanto ao paradigma de Segurança Pública como ao de Segurança Cidadã (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Na entrevista com o ex-Secretário Cezar Schirmer (2019) e na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 2016 (RIO GRANDE DO SUL, 2016), com mais dados sobre a política de segurança desenvolvida pelo Governo Sartori, encontramos como atributos do conceito de violência associado à política pública de segurança, os fatores que ameaçam o gozo pleno da cidadania, a origem multicausal da violência, e a necessidade de adoção de estratégias multisetoriais de prevenção e controle para o enfrentamento à violência, indicando a influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre este conceito de violência.

O papel do Estado em relação à política pública de segurança do Governo Sartori, de acordo com o estudo que realizamos, tanto no Programa de Governo apresentado pela Coligação o Novo Caminho Para o Rio Grande (2014) para o processo eleitoral de 2014 quanto na Mensagem do Governador à assembleia Legislativa, em 2015, apresentam características que indicam a influência tanto do paradigma de Segurança Pública como do paradigma de Segurança Cidadã (RIO GRANDE DO SUL, 2015). Verificamos que, conjuntamente à proposição de ações de controle e prevenção da violência com foco nas estratégias de repressão à violência, coexistem proposições de implementação de políticas setoriais articuladas, com foco no âmbito local, e que além das instituições policiais, as instituições responsáveis pelas políticas sociais também possuem papel nesse processo.

Na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 2016, encontramos entre as informações referentes às principais ações desenvolvidas pela Secretaria de Segurança Pública durante o ano de 2015, o equilíbrio entre as ações associadas ao paradigma de segurança Pública e ao paradigma de segurança Cidadã. No entanto quando são apresentadas as ações planejadas para execução ao longo do ano de 2016, verificamos um grande crescimento de ações de prevenção e repressão à criminalidade, indicando uma transição da influência de dois paradigmas (Segurança Pública e Segurança Cidadã), para o predomínio da influência do paradigma de Segurança Pública sobre o papel do Estado em relação às políticas públicas de segurança desenvolvidas pelo Governo Sartori (RIO GRANDE DO SUL, 2015, 2016).

Em relação ao papel dos indivíduos diante das políticas públicas de segurança do Governo Sartori, ao final da análise do Programa de Governo do candidato Sartori (COLIGAÇÃO O NOVO CAMINHO PARA O RIO GRANDE, 2014), da Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa de 2015 e 2016 (RIO GRANDE DO SUL, 2015, 2016), e da entrevista com o ex-Secretário da Segurança Pública Cezar Schirmer (2019), encontramos os indivíduos como o centro destas políticas de segurança pública, como seu principal beneficiário e com papel na gestão local das políticas de segurança. Estas características identificam a influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre as políticas de segurança pública do governo estadual à época.

Em relação à estratégia de política pública destinada à política de segurança, no Programa de Governo da Coligação O Novo Caminho Para o Rio Grande (2014), identificamos o equilíbrio entre as proposições de ações de políticas setoriais integradas voltadas para prevenção e controle da violência e de fomento à participação dos cidadãos e ao desenvolvimento de ações direcionadas à comunidade com as ações de natureza policial estruturadas por estratégias de controle da violência, indicando a adoção de uma estratégia de políticas públicas de segurança referenciada no paradigma de Segurança Cidadã.

No estudo que realizamos, identificamos que a Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, enviada em fevereiro de 2015, indica a incorporação das políticas públicas de segurança propostas pelo Programa de Governo da Coligação O Novo Caminho Para o Rio Grande às políticas de segurança do Governo Sartori, indicando a influência do paradigmas de Segurança Cidadã (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Em 2016, na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, ao apresentar as ações resultante das políticas de segurança do Governo Sartori realizadas em 2015, percebemos a ampliação de ações identificadas com as estratégias de controle da violência centradas na atuação policial em relação às propostas do Programa de Governo e da Mensagem de 2015. Entre as propostas para a área da segurança, apresentadas para o decorrer do ano de 2016, encontramos um aumento significativo das ações de polícia baseadas em estratégias de controle da violência (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

O estudo que realizamos aponta para a coexistência de influências paradigmáticas de Segurança Pública e de Segurança Cidadã, com destaque para o paradigma de Segurança Cidadã na formulação da estratégia de política pública proposta pelo Programa de Governo do candidato Sartori, bem como na estratégia apontada para o primeiro ano de governo através da Mensagem do Governador à assembleia Legislativa, em 2015. Como na Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 2016, temos um expressivo aumento de ações com foco na atuação policial, principalmente em estratégias de controle da violência, identificamos a tendência de uma transição da influência do paradigma de Segurança Cidadã para o paradigma de Segurança Pública na estratégia de política pública adotada pelo Governo Sartori para a área da segurança pública no período analisado (COLIGAÇÃO O NOVO CAMINHO PARA O RIO GRANDE, 2014; RIO GRANDE DO SUL, 2015, 2016).

Considerando os objetivos, o conceito de violência, o papel do Estado, o papel dos indivíduos e a estratégia de política pública desenvolvida como categorias de análise para a identificação de influências paradigmáticas na área da segurança pública no período em análise, em relação ás políticas de segurança adotadas pelo Governo Sartori, identificamos a coexistência da influência do paradigma de Segurança Pública e do Paradigma de Segurança Cidadã.

Dentre os objetivos da política de segurança, identificamos a predominância da influência do paradigma de Segurança Pública, mas também a influência do paradigma de Segurança Cidadã. O conceito de violência do Governo Sartori associado à política pública de segurança, de acordo com nosso estudo, sofre influência hegemônica do paradigma de Segurança Cidadã mas também do paradigma de Segurança Pública. O papel do Estado diante das políticas públicas de segurança do Governo Sartori, inicialmente sob a influência tanto do paradigma de Segurança Cidadã quanto do paradigma de Segurança Pública, passa gradualmente a receber a influência majoritária do paradigma de Segurança Pública. O paradigma de Segurança Cidadã influencia a política de segurança do Governo Sartori no que diz respeito ao papel dos indivíduos diante das políticas de segurança, mas também encontramos características que indicam a influência do paradigma de Segurança Pública sobre estas políticas. Em relação à estratégia de política pública adotada pelo Governo Sartori na área da segurança, assim como em relação ao papel do Estado, percebemos a influência crescente do paradigma de Segurança Pública indicando uma transição paradigmática do Programa de Governo (COLIGAÇÃO O NOVO CAMINHO PARA O RIO GRANDE, 2014), passando pela Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa de 2015, para a Mensagem à Assembleia, em 2016, e dos posicionamentos do secretário de Segurança à época (RIO GRANDE DO SUL, 2015, 2016; SCHIRMER, 2019).

Em nível nacional, o Governo Federal desenvolveu políticas de segurança pública após 2003, permitindo vislumbrar o fortalecimento e a consolidação do paradigma de Segurança Cidadã como a principal referência das políticas públicas de segurança brasileiras. No entanto, a partir de 2011, com o redirecionamento das políticas públicas destinadas à área da segurança, para o controle de fronteiras e o controle interno para a realização do Copa Mundial de Futebol em 2014, abandonando entre outras ações, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, encerra-se um ciclo das políticas públicas de segurança no Brasil.

No Rio Grande do Sul, em um sentido político inverso, o Governo Estadual que até 2010 desenvolveu sua política de segurança sob a influência do paradigma de Segurança Pública, em 2011 adota políticas para a área da segurança referenciadas no paradigma de Segurança Cidadã. Mesmo em um contexto nacional desfavorável, de acordo com nosso estudo, é possível identificar o fortalecimento das políticas públicas voltadas para a área da segurança, influenciadas por conceitos de uma política pública de segurança de natureza Cidadã neste período.

Na campanha eleitoral de 2014, o candidato Sartori prenunciava, em seu Programa de Governo O Novo Caminho Para o Rio Grande (2014), o fim de um ciclo na política nacional. Em 2015 o PMDB, partido do Governador, lançou o programa chamado “Uma Ponte para o Futuro”, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, e que após o golpe parlamentar perpetrado contra a Presidenta da República Dilma Rousseff, serve de base para o mandato do presidente Michel Temer. É neste contexto que, no Rio Grande do Sul, segundo a nossa pesquisa, verificamos uma involução da influência do paradigma de Segurança Cidadã nas políticas públicas de segurança do estado, para a ampliação da influência do paradigma de Segurança Pública. A desconstituição do Programa Nacional de Segurança com Cidadania lá em 2011, a desconstituição dos Territórios da Paz e a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres e a sua transformação em um departamento da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, são elementos que compõe um cenário de redução da influência do paradigma de Segurança Cidadã sobre as políticas de segurança do Rio Grande do Sul.

Abaixo, como resultado da pesquisa realizada, apresentamos um quadro demonstrativo da influência dos paradigmas da área da segurança no Rio Grande do Sul sobre as políticas públicas de segurança propostas e desenvolvidas durante os governos de Yeda Crusius, Tarso Genro e José Sartori.

 

Quadro 1 – Demonstrativo da influência dos paradigmas da área da segurança sobre as políticas públicas de segurança no Rio Grande do Sul

Governo Yeda Governo Tarso Governo Sartori
Categorias de análise Paradigma predominante Paradigma predominante Paradigma predominante
1. Objetivos – Segurança Pública – Segurança Cidadã – Segurança Pública e Segurança Cidadã
2. Conceito de violência – Segurança Pública – Segurança Cidadã – Segurança pública e Segurança Cidadã
3. Papel do Estado – Segurança Pública com Influência de Segurança Cidadã – Segurança Cidadã – Transição de Segurança Cidadã para Segurança Pública
4. Papel dos indivíduos – Segurança Pública com Influência de Segurança Cidadã – Segurança Cidadã com Influência de Segurança Pública – Segurança Cidadã
5. Estratégia de política pública – Segurança Pública com Influência de Segurança Cidadã – Segurança Cidadã com Influência de Segurança Pública – Transição de Segurança Cidadã para Segurança Pública

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

Em nossa pesquisa, não encontramos em nenhum dos governos analisados, características associadas às categorias de análise que identificam as influências paradigmáticas na área da segurança pública, do paradigma de Segurança Nacional. A par das limitações do estudo realizado, algumas indagações são possíveis em função deste quadro. Qual o significado da ausência desta influência paradigmática?  Existe a influência do paradigma de Segurança Nacional sobre setores que atuam na área da segurança pública no Rio Grande do Sul, desde aqueles que atuam na formulação das políticas, e principalmente entre os atuam na linha de frente do setor da segurança, como exemplo as polícias? O novo ciclo que se instala na política brasileira em 2018, com a eleição de um Presidente da República vinculado a setores militaristas e armamentistas, a visões religiosas fundamentalistas e que promove a desvalorização sistemática dos direitos humanos e das estruturas democráticas nacionais, pode fortalecer a influência do paradigma de Segurança Nacional sobre as políticas públicas de segurança? Neste contexto, quais as possibilidades de fortalecimento de políticas públicas de segurança orientadas por concepções influenciadas pelo paradigma de Segurança Cidadã? Embora estas questões devam ser objeto de atenção de um outro estudo, elas se associam aos resultados do nosso estudo, pois percebemos a involução da influência do paradigma de Segurança Cidadã na política de segurança pública do Rio Grande do Sul no período analisado e a acessão de um novo contexto histórico em nível nacional.

Neste contexto histórico, associado às observações de Moema Dutra Freire (2009), a difusão da cultura da política de Segurança Cidadã no Brasil, e em particular no Rio Grande do Sul, enfrenta limites em concepções de mundo consolidadas em instituições policiais, muitas vezes responsáveis únicas pela execução das políticas de segurança. Estas concepções de mundo encaram as demais políticas sociais como alheias à realidade das políticas de segurança, e se sustentam em uma perspectiva meramente repressiva. Mas as barreiras a essa cultura não se limitam apenas à área da segurança, estendendo-se muitas vezes às demais áreas sociais, que apresentam resistências na realização de um trabalho articulado, visando constituir e executar políticas sociais.

Ademais, a participação social na formulação, na execução e no acompanhamento das políticas públicas no Brasil, tem sido historicamente negligenciadas pelo Estado Brasileiro, atendendo à interesses da manutenção das relações poder orientadas por interesses de classe, que se pretendem imutáveis. Conforme reflete Freire (2009), “a comunidade muitas vezes não percebe a importância da sua colaboração para a prevenção à violência, uma vez que um paradigma reina não só sobre os tomadores de decisão, mas também sobre o povo”. Ou seja, refletir sobre os interesses que orientam as políticas públicas de segurança no Brasil, com vistas à constituição uma nova cultura na área da segurança pública, dentro de uma perspectiva de Segurança Cidadã, tem na participação social consciente e autônoma, elemento fundamental no sentido da profunda transformação destas políticas públicas.

 

REFERÊNCIAS

CANO, Ignácio. Políticas de Segurança Pública no Brasil: tentativas de modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Sur, Rev. int. direitos human., São Paulo, v. 3, n. 5, p. 136-155, dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452006000200007&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 03 jan. 2019.

COLIGAÇÃO O NOVO CAMINHO PARA O RIO GRANDE. Plano de Governo de José Ivo Sartori e José Paulo Cairoli. Porto Alegre: [s.n.], 2014.

COLIGAÇÃO RIO GRANDE AFIRMATIVO. Plano de Governo de Yeda Crusius. Porto Alegre: [s.n.], 2006.

COLIGAÇÃO UNIDADE POPULAR PELO RIO GRANDE. Plano de Governo de Tarso Genro. Porto Alegre: [s.n.], 2010.

FREIRE, Moema Dutra. Paradigmas de Segurança no Brasil: da Ditadura aos nossos dias. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 5, n. 1, ago./set. 2009. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/aurora/article/view/1219. Acesso em: 03 jan. 2019.

GOULARTE, Edson de Oliveira. Entrevista. [Entrevista concedida a] Carlos Robério Garay Corrêa. Porto Alegre: [s.n.], 06 dez. 2019.

MICHELS, Airton Aloisio. Entrevista. [Entrevista concedida a] Carlos Robério Garay Corrêa. Porto Alegre: [s.n.], 18 nov. 2019.

RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa, Fevereiro de 2007. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2007.

RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa, Fevereiro de 2008. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2008.

RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa, Fevereiro de 2011. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2011.

RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa, Fevereiro de 2012. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2012.

RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa, Fevereiro de 2015. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2015.

RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembleia Legislativa, Fevereiro de 2016. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2016.

SANTOS, José Vicente Tavares dos. Dilemas do Ensino Policial: das heranças às pistas inovadoras. In: SANTOS, J. V. T.; MADEIRA, L. M. (org.). Segurança Cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014. p. 19-40.

SCHIRMER, Cezar Augusto. Entrevista. [Entrevista concedida a] Carlos Robério Garay Corrêa. Porto Alegre: [s.n.], 03 dez. 2019.

 

*Carlos Robério Garay Corrêa é Servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Pós-graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Mestre em Segurança Cidadã (2020) e Especialista em Segurança Pública, Cidadania e Diversidade (2015). Graduado em Estudos Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1991).

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