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O direito fundamental à segurança

EDITORIAL

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O Rio de Janeiro não é somente o símbolo da decadência do Estado de Direito no Brasil e da crise (terminal?) do liberalismo democrático-representativo, que ocorre em escala mundial. Ali também está espelhado o esgotamento do modelo de segurança pública tão comum na América Latina – pós 2ª. Guerra Mundial – pelo qual, com diferentes formas e processos, a modernização pelo alto foi consolidando um novo Estado real: uma ordem concreta separada da ordem normativa do Estado de Direito formal, que permanece na letra em plena vigência.

Nesta outra ordem os aparatos de segurança pública precisavam, desde a década de 70, de um lado, manter e controlar o “apartheid” social que os modelos econômico-sociais exigiam para estabilizar os privilégios e a concentração de riquezas e, para tanto, também deviam também criar e servir-se de uma zona “gris”, uma zona de compromisso entre Estado de Direito e o Crime organizado. Nesta “zona” o  Estado de Direito permanecia apenas como aparente, nos vastos territórios de pobreza e medo – dentro do qual o próprio movimento das forças policiais faziam as normas, moldavam  e flexibilizavam as garantias constitucionais e geravam – naqueles vastos espaços metropolitanos – relações de poder especialíssimas.

Dentro desta “zona de compromisso”, entre o Crime e o Estado formal, convivem hoje as lideranças comunitárias, a marginalidade comum, os chefes e chefetes do crime organizado e milhares de pessoas do povo, com seus organismos espontâneos ou formais de significação cultural e resistência. Resistência, luta pela sobrevivência e iniciativa ante o inimigo invisível, se alternam na vida cotidiana destas regiões que constroem com seu próprio modo de vida a sua própria “legalidade”.

Estas pessoas e organismos devem prestar tributo aos dois senhores, já que o Estado de Direito e o Crime Organizado repartem e disputam competências necessárias à vida comum no território e as disputam de forma mais pacífica ou em guerra. Ora as relações reais de poder se inclinam para um lado, ora para outro, dependendo da natureza da competição entre as partes e das circunstâncias e lugares, que favorecem, ora um lado, ora outro lado.

Ao contrário do que pode aparentar, mesmo em Estados como o Rio de Janeiro, as instituições policiais não estão “tomadas pela corrupção” e pela criminalidade, embora elas ali estejam presentes num percentual maior do que em outros aparatos do Estado. As falhas, autoritarismos e violências, cometidas pelos integrantes destas corporações são mais relevantes porque elas são o nervo exposto do Estado e “presentam”  (mais do que “representam”) de forma bruta, as próprias virtudes e misérias de um Estado organizado para proteger mais privilégios do que Direitos.

Os problemas mais relevantes de grande parte dos homens e mulheres destas corporações são a falta de assistência à saúde mental para os seus quadros de base, os baixos padrões salariais da maioria do pessoal policial, a desigualdade de meios para enfrentar o crime organizado, a precariedade dos seus serviços de inteligência, a insegurança da suas famílias, expostas às ações dos criminosos empoderados nas próprias regiões onde  vivem; a ausência de uma Corregedoria independente, as pressões – que vem do “mundo político” – (para proteção dos seus protegidos), a instrução e o treinamento falho com equipamentos inadequados e a emergência – hoje- de um milicianismo organizado pelo próprio Estado, como força paralela promovida por dentro das instituições oficiais.  Por tudo isso tem-se como claro, para todas as pessoas informadas minimamente sobre o assunto, que a Segurança Pública cidadã e de qualidade, não é somente um problema “para a polícia”, mas integra um vasto e complexo universo de políticas de Estado, de ordem normativa, financeira, judicial, cultural e educacional.

A matéria da Rede Globo sobre a crise da Segurança Pública no Rio de Janeiro, cujo extrato pode ser visto através do link ora registrado, é aqui apresentada para mostrar como a grande mídia exerce mais um papel propulsor dos erros e deformidades da Segurança Pública, do  que das experiências que geraram acertos e êxitos. Ao esconder, de forma clara e proposital – na reportagem – que a redução drástica dos homicídios no Complexo do Alemão se deu por dentro de um programa chamado Pronasci, financiado pela União e baseado numa Lei Federal (que combinava ações sociais dos Estados e Municípios aderentes com a repressão qualificada), a grande imprensa apenas “informou” – mais uma vez – que a Polícia falhou e se “deformou”, como se ela mesma fosse a responsável pelos caos sucessivos na área, não o Estado como totalidade e a maioria dos seus Governos, deixando de mostrar suas excelentes exceções realizadas nos Governos progressistas.

Esta edição especial da “Democracia e Direitos Fundamentais tem como artigo “reitor” do tema em debate um texto brilhante do Professor Benedito Mariano, um dos mais importantes elaboradores, gestores e pensadores deste assunto, que é o mais relevante -juntamente com a luta contra o fascismo e a miséria – para a regeneração social e democrática do nosso país.

Boa leitura.

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