I — O direito a educação
O direito à educação é o primeiro dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição. Trata-se de um direito de todas as pessoas que impõe uma ação positiva do Estado. Um típico direito à prestação que requer, além da intervenção normativa, ações substantivas dos poderes públicos, em cumprimento de obrigações bem determinadas.
Constituído historicamente como os demais direitos, pelo movimento das classes sociais emergentes, foi consagrado na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948)e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966), penetrando a partir daí nas Constituições democráticas da segunda metade do século XX. Estes tratados, que refletem a consciência histórica da humanidade sobre os seus próprios valores fundamentais, foram subscritos pelo Brasil, integrando-se ao nosso ordenamento jurídico, conforme o § 2º do artigo 5º da Constituição.
A “Declaração” proclama que toda pessoa tem direito a educação, que o acesso ao ensino superior será igual para todos e que haverá liberdade de escolha do tipo de educação. O “Pacto” reitera estes postulados, indica a implantação progressiva do princípio da gratuidade e compromete os Estados signatários a buscar o desenvolvimento progressivo do sistema escolar em todos os níveis e a ampliar o sistema de bolsas de estudo para democratizar o acesso aos níveis mais elevados. Também os obriga a melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente.
II — A educação na Constituição Federal
Além de consagrar o direito à educação entre os direitos e garantias fundamentais, o legislador constituinte estabeleceu, no titulo que trata da Ordem Social, Capitulo III, normas que impõem a União e demais entes federados a adoção de medidas de tipo organizativo e de tipo procedimental, abrangendo a criação de sistemas de ensino e instituições, a destinação de recursos, e os princípios reitores da intervenção normativa e das ações substantivas das diversas esferas do poder publico.
A definição dos objetivos visados pela educação, nos termos do artigo 205 são três: o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. A cidadania constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição, no seu artigo 1º. Assim, a educação cumpre uma função relevante na edificação da Democracia e do Estado de Direito.
O mesmo artigo identifica os sujeitos do direito à educação, colocando no polo ativo todos ( todas as pessoas, sem restrição) e no polo passivo, como obrigados pela sua prestação, o Estado e a família, prevendo também a colaboração da sociedade. No cumprimento dessa obrigação, o Estado recebe a participação da iniciativa privada, que assume um papel complementar, estando as instituições particulares, com ou sem fins lucrativos, obrigadas ao cumprimento das normas gerais da educação nacional e sujeitas a autorização e avaliação de qualidade pelo poder publico, conforme o artigo 209.
A abrangência do dever do Estado com a educação é definida pelo artigo 208, que lhe impõe a garantia de:
I — ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II— progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III — atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV — atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V — acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI — oferta e ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII — atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
O direito universal de acesso ao ensino fundamental é conformado como um direito sobre o Estado a uma prestação determinada e definido pelo § 1º como um direito publico subjetivo. Ademais, a obrigação é dotada de sanção, no caso de descumprimento ou de oferecimento irregular, o que implica na garantia mais enérgica que o direito cria para assegurar a sua eficácia. O § 2º prescreve a responsabilidade da autoridade competente nesta hipótese. Nestas condições, é um direito plenamente exigível.
A União, os Estados e os Municípios devem organizar os seus próprios sistemas de ensino, em regime de colaboração, visando especialmente universalizar o ensino fundamental, obrigatório. Caberá aos municípios o ensino infantil e o fundamental; aos Estados e Distrito Federal cabe atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio, enquanto que à União incumbe organizar o sistema federal de ensino, voltado para o nível superior, financiando as instituições que o integram. Cabe, ainda, à União garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos entes federados (artigo 211 e §§).
A constituição estabelece, ainda, no seu artigo 206, os princípios que deverão orientar a estruturação dos sistemas de ensino e as atividades dos agentes da educação. Inicialmente prescreve a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e garante a gratuidade do ensino público em estabelecimento oficiais.
Consagra a liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, que no nível superior conforma a liberdade acadêmica. Agora este princípio é irradiado para todos os níveis de ensino. Trata-se de uma expressão da liberdade individual, valor fundante da democracia moderna, e garantia do pensamento crítico frente aos saberes estabelecidos, indispensável ao avanço do conhecimento. Estabelece o pluralismo pedagógico, que constitui uma expressão particular do ideal de uma sociedade pluralista, acolhida no preambulo e no artigo 1º da Constituição, e institui a gestão democrática do ensino publico, impondo a participação de todos os atores envolvidos no processo educativo, na definição das diretrizes da escola publica, e na gestão das suas atividades. Por último, consagra o princípio da valorização dos profissionais do ensino e a garantia do padrão de qualidade.
III — Dos profissionais da educação
Entre os princípios enunciados pelo artigo 206 para o ensino, o legislador constituinte realça o princípio da valorização dos profissionais do ensino, desdobrando-o nas garantias: 1º) de planos de carreira para o magistério publico; 2º) de piso salarial profissional; 3º) de ingresso somente por concurso publico.
A liberdade de ensino e pesquisa, que se expressa no nível superior com a liberdade acadêmica, aponta para a necessária adoção de regime jurídico de direito público nas instituições de ensino público, especialmente para os docentes universitários, como garantia efetiva dessa liberdade. Também os docentes das instituições privadas, que estão incluídos na tutela constitucional, deverão ser garantidos contra a despedida imotivada, através da intervenção normativa do Estado, sob pena da liberdade consagrada não se realizar para eles.
IV — A autonomia das universidades
A constituição enuncia no seu artigo 207 dois princípios para as universidades, que tem incidência instintamente nas públicas e nas particulares:
— o princípio da autonomia, que abrange a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
— o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
O primeiro princípio, tem o alcance de assegurar:
1º) o poder de auto-governo, que significa a faculdade de escolha dos dirigentes pelos membros da comunidade universitária.
1º) poder de auto-normação, que assegura às instituições a capacidade de auto-normação no contexto do ordenamento geral emanada da União, que recebeu competência constitucional para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, conforme art. 22, XXIV.
A autonomia das universidades tem por fundamento a liberdade acadêmica, correspondendo à sua dimensão institucional. Nesta dimensão, a autonomia se expressa como independência da comunidade universitária frente ao Estado e aos governos, reconhecida universalmente como indispensável para a produção e a transmissão do conhecimento. Na dimensão individual, a liberdade acadêmica deve traduzir-se na adoção de um regime jurídico de direito público (estatutário) para tutela efetiva dos docentes frente a maioria que governa a instituição. Nas universidades particulares, as instituidoras detém um irrestrito poder discricionário na sua estruturação, mas a abrangência do princípio da autonomia sobre elas deve traduzir-se no auto-governo da comunidade universitária através da eleição dos dirigentes e de normas que tutelem os membros dessa comunidade frente à instituição empregadora, especialmente contra a despedida arbitraria.
O princípio de indissociabilidade entre ensino e pesquisa e extensão impõe às instituições universitárias, publicas e particulares, que desenvolvam em cada ramo do saber atividades de pesquisa, voltadas para a produção do conhecimento, articuladas com a sua transmissão. Ademais, impõe a integração da comunidade com o meio social, pela prestação de serviços qualificados. Naturalmente, a observância deste princípio se impõe nas iniciativas dos entes federados, impedindo-lhes de criar instituições de ensino superior e paralelamente instituições de pesquisa dissociadas daquelas.
V— O financiamento da Educação
A Constituição estabelece regras visando assegurar os recursos financeiros necessários à manutenção e desenvolvimento dos sistemas de ensino dos entes federados. Obriga-os a destinar anualmente parcelas mínimas das arrecadações tributarias respectivas para o ensino:
— a União dezoito por cento
— os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências (art. 212).
Na distribuição destes recursos os entes federados deverão assegurar prioridade ao atendimento das necessidades do ensino fundamental, que é obrigatório, observando o que for estabelecido no plano nacional de educação (§ 3º). Este plano, com duração plurianual, devera visar, conforme o art. 214, a articulação e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e a integração das ações do Poder Publico, tendo como metas: I- a erradicação do analfabetismo, II- a universalização do atendimento escolar, III- a melhoria da qualidade do ensino, IV – a formação para o trabalho, V- a promoção humanistica, científica e tecnológica do País.
A prioridade ao ensino fundamental conferida pelo legislador constituinte e assumida ainda, através de uma fonte adicional de financiamento, com a contribuição social do salário educação recolhida pelas empresas.
A Emenda Constitucional nº 14 obrigou os Estados e Municípios a destinar, ao longo de dez anos, no mínimo sessenta por cento dos seus recursos orçamentários previstos para a educação ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério art. (60 do ADCT). Também para a União a Emenda nº 14 vem impor que ela aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e no desenvolvimento do ensino fundamental, nunca menos do que o equivalente a 30% dos seus recursos orçamentários para a educação, equivalente a 18% da receita de impostos, definido no artigo 212.
VI— Os desafios da Educação
Trouxemos, até aqui, o regramento jurídico e administrativo da Educação dentro da Constituição. Porém, o desafio atual é atender todas as obrigações acima em um contexto de teto de gastos públicos, cortes e arrochos salariais. Desde 2016, sob um discurso quase dogmático de austeridade e de necessidade de ajustes fiscais, e aproveitando-se da crise econômica, de natureza conjuntural, intensificaram-se os movimentos de retirada de direitos e garantias do povo.
O Poder Judiciário não se deteve da forma adequado ao tema. A chamada “PEC do Teto dos Gastos”, por exemplo, congelou por 20 anos a despesa primária, a pretexto de controlar os gastos. Aliás, cometendo o erro juvenil de tratar educação como gasto e não investimento. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, baseado em dados de 2006, apontou que cada R$ 1 gasto com Educação pública gera R$ 1,85 para o PIB.
Para resistir ao desmonte do Estado de Bem-Estar Social nós precisamos recorrer muito à Constituição Federal. E os guardiões da carta magna precisam urgentemente reavaliar o cumprimento dos direitos fundamentais conquistados em 88.