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O sindicato: um ator insubstituível na conquista, promoção e defesa dos direitos sociais

Álvaro D. Ruiz

Advogado especializado em Direito do Trabalho e assessor sindical. Professor de Direito Sindical e Relações Coletivas de Trabalho da Faculdade de Ciencias Sociais da Universidad de Buenos Aires e Diretor do Mestrado em Negociações Coletivas de Trabalho da Universidade do Museo Social Argentino, dentre outras atividades docentes. Foi Subsecretario de Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social da Argentina de 2007 a 2015. Colunista do portal digital de notícias argentino El Destape.

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Apresentação do tema

 

Propomo-nos a refletir sobre os desafios atuais em termos de direitos trabalhistas e direitos sociais, atravessados por fenômenos imprevistos como: a Pandemia e suas inegáveis consequências econômico-produtivas ao nível planetário; a desconstrução de paradigmas tutelares (que pareciam consolidados) por um Neoliberalismo notoriamente difundido e sua instalação (ou condicionamento) em governos que promovem reformas legislativas regressivas; e a forma como podem ser implementados mecanismos que neutralizem esses ataques que acarretam, sem dúvidas, riscos importantes para o sistema democrático e a vida dos Povos.

Um convite certamente interessante, ao mesmo tempo que de difícil concretização, sendo muitas, como diversas, as perspectivas de abordagem, os fatores e atores a considerar e o imenso campo de análise. 

Partindo dessas considerações e dos limites formais dessa intervenção, tratarei de abordar (em uma apertada síntese) os aspectos que entendo como mais relevantes para levantar algumas ideias que possam levar a uma reflexão complexa e com enfoque no Estado, na Política e no sindicato.

Por certo, para além de algumas alusões diretas e implícitas a outras realidades, focarei fundamentalmente nas experiências na Argentina entendendo que, com suas peculiaridades quanto à disputa principal entre Capital e Trabalho, elas se repetem ou se verificam de forma semelhante no Ocidente e, especialmente, na América Latina. 

 

O papel atribuído ao Estado

 

Uma das questões mais polêmicas sobre o papel do Estado é a relacionada aos mecanismos de alocação de recursos na Economia. A alternativa Estado versus Mercado impregna boa parte das discussões nos diferentes países, com marcadas oscilações nas preferências ao longo do século passado e que se mantêm no século XXI, no qual a globalização, os endividamentos externos e as crises de governabilidade reforçaram as ferramentas neoliberais para neutralizar a ação do Estado.

Contudo, não podemos esquecer que nem sempre os exemplos de Estados intervencionistas, que pretendem mostrar a nós como ineficientes, sejam assim devido ao modelo em si. Seus fracassos são motivados justamente por pressões e políticas econômicas que diferentes nações estrangeiras têm imposto em nossos países (“subdesenvolvidos” ou “emergentes”) e, geralmente, com a cumplicidade de setores nativos. Essas decisivas influências externas, quando não conseguiram se impor sufocando economicamente o modelo que combatem, o fizeram por meio de processos ditatoriais. 

A concentração do poder econômico tem crescido global e exponencialmente. Consequentemente, sua capacidade de ação e incidência sobre as políticas dos países tem ultrapassado limites éticos, humanos e geográficos. 

É assim que se repensa, com razão, a ideia de um Estado que não ceda aos anseios excessivos dos setores do Capital, que não deixe livres para o Mercado a orientação e geração de políticas públicas e que se postule a processá-las de e para o bem-estar social.

O novo padrão de acumulação imposto se aproveitou das tendências neoliberais para a abertura econômica, influenciando significativa e negativamente na indústria local. 

As consequências diretas foram o fechamento de fábricas, demissões em massa, queda drástica na taxa de sindicalização e, no que diz respeito particularmente às relações trabalhistas, o surgimento de novas modalidades de contratação de trabalho, o notório aumento do número de desempregados e subocupados, além de trabalho por conta própria que não se limitou a estratégias de sobrevivência, mas nos foi apresentado como um “empreendedorismo” que se erigia como modelo aspiracional e substituto do emprego formal. 

 

Direitos Sociais e Trabalhistas

 

No contexto anteriormente descrito, durante a década de 1990, aprofundou-se o desmantelamento do Sistema de Relações Trabalhistas, convergindo para (e como resultado de) um conjunto diversificado e complexo de fatos, medidas e comportamentos de natureza econômica, política e social. 

A consolidação da desindustrialização e a abertura econômica, além das reformas da legislação trabalhista e previdenciária, com o falso fundamento (reiteradamente verificado como tal) de redução de “custos” e “impostos indiretos sobre o trabalho”, implicou: a distribuição regressiva de renda; o crescimento do desemprego; o avanço da precarização das condições de trabalho; a flexibilização trabalhista; e o enfraquecimento do movimento sindical.

A premissa formulada para tudo isso é de que o Mercado fornece as soluções (com essa mítica “mão invisível”) e, para obter melhores resultados, é necessário um Estado mínimo e que os sindicatos participem o menos possível interferindo no futuro “natural” da Economia. No entanto, a intervenção estatal segue existindo, ainda que, neste caso, disfarçada com o objetivo de desregulamentar ou, para ser mais preciso, de “re-regular” com um sentido contrário ao que historicamente informa o Direito Social. 

As leis protetivas em matéria trabalhista são vistas como um grande obstáculo ao livre jogo da oferta e da demanda em uma economia de mercado que está se tornando universal. Para competir globalmente, afirma-se que não se deve colocar obstáculos ao desenvolvimento econômico dos países, devendo-se eliminar as regulamentações de proteção trabalhista que conspiram contra esses propósitos e que se invocam como seguros geradores de bem-estar geral.

Parte-se de uma falsa premissa que reflete, mais do que um erro, uma conduta abertamente maliciosa: considerar que o crescimento econômico de um país só poderia ocorrer acompanhado de uma redução e, até mesmo, de uma quase aniquilação dos patamares mínimos de proteção impostos pelo Direito do Trabalho. 

Com a ocorrência dos fatos verificados em todo o mundo, particularmente em nossa Região, demonstrou-se o contrário. Mas, apesar disto, a partir desses think tanks reacionários, houve uma vitória transcendente na batalha cultural neocolonial e na construção de subjetividades que hoje explicam as viradas políticas que fazem com que as próprias vítimas acompanhem  (não apenas com seu voto) seus vitimizadores. 

O “encolhimento” do Estado resultou na privatização de serviços e empresas públicas (de serviços, industriais, comerciais), processo que restringiu o âmbito de ação estatal e modificou a relação Capital-Trabalho na medida em que disciplinou o assalariado e boa parte de suas organizações: incentivando a aposentadoria voluntária; estigmatizando a figura do “velho” trabalhador; produzindo uma ruptura da identidade coletiva pré-existente com o objetivo de criar uma nova identidade associada à empresa; enfraquecendo o poder sindical; reduzindo o número de empregados com “Antigüedad, ao mesmo tempo, induzindo uma elevada rotatividade de pessoal ao reduzir os custos de contratação e demissão, debilitando, assim, a já tênue estabilidade da relação de trabalho. 

A debatida “integração” do país no mundo e o “encolhimento” do Estado se projeta no campo trabalhista em aumento do desemprego, uma maior precarização das condições de trabalho e queda no nível salarial. Isso foi, é e será verdadeiramente a flexibilização trabalhista. 

A sanção de diversas leis desregulamentadoras durante a década de 1990 e no início do novo milênio criou uma nova relação entre Capital e Trabalho, marcada pela legalidade da superexploração da força de trabalho como consequência da cumplicidade entre o Estado e os empregadores. Situação que, na Argentina, foi neutralizada entre os anos de 2003 a 2015 com políticas heterodoxas que recuperaram parte dos direitos removidos e alcançaram a conquista de outros novos, mas que logo se colocaram em risco novamente (em parte, materializados) na etapa 2015/2019, em que prevaleceram as políticas neoliberais e de entrega da soberania nacional. 

Em matéria de Direito do Trabalho e de Seguridade Social, os eixos da política de reformas pautaram-se nas palavras de ordem da flexibilização e da redução dos custos trabalhistas (flexibilidade interna e externa; redução dos encargos e contribuições trabalhistas), enfraquecimento do poder sindical (regulamentação do direito de greve; descentralização da negociação coletiva, levando-a predominantemente ao nível empresarial; retirada da gestão centralizada das Obras Sociales dos sindicatos, adoção de medidas para eliminar a ultratividade dos acordos coletivos de trabalho); e privatização da Previdência Social, com a criação de um mercado de capitais e novos negócios privados na área social (privatização de fundos de pensão – AFJP –, implantação de seguradoras de risco do trabalho – ART– e desregulamentação da Obras Sociales sindicais).

Com propósitos semelhantes, foi introduzida uma série de prerrogativas flexibilizadoras para as pequenas e médias empresas por meio da disponibilização coletiva do contrato individual de trabalho, em clara violação da Ordem Pública e de princípios antigos quanto à invalidade de modificações pejorativas por via da negociação coletiva.

Em relação ao emprego público, a partir da década de 1990, iniciou-se um ajuste baseado na demissão de funcionários estatais, na privatização de empresas, no fechamento de organizações e nas transferências de províncias dos profissionais docentes, de saúde e de outros setores sem fazer o mesmo com os recursos necessários para resolver seu sustento. 

Buscou-se assimilar o emprego público com a lógica do emprego privado em termos de produtividade, desconhecendo o conceito de “servidor público”, que está relacionado a um trabalho que não gera produtos nem busca lucro no sentido comercial. A nova concepção procurou focar, exclusivamente, na lógica do simples intercâmbio de prestação de serviço por salário, abandonando objetivos como o desenvolvimento qualitativo da administração pública para a proteção do “interesse geral” e o alcance do “bem comum”. 

É necessário destacar que essa lógica, promovida desde o final do século XX, é condizente com a estigmatização do emprego público e com o valor social do serviço público promovidos pelos governos cívico-militares que, ao invés de priorizar uma maior democratização e modernização do Estado, privilegiaram a lógica do ajuste fiscal e do encolhimento do Estado em sua dimensão e funções, bem como em seu indelegável papel regulador da Economia. 

Toda essa situação repercutiu negativamente nos níveis de indigência, pobreza e desemprego, que cresceram notavelmente, e implicou fortes limites para o financiamento das coberturas do regime de aposentadorias e pensões, riscos trabalhistas, abonos familiares, desemprego e Obras Sociales

Essas políticas orientadas à redução do “custo trabalhista” não conseguiram aumentar a competitividade externa da produção nacional nem gerar maior número de empregos estáveis, registrados e com melhores salários. 

A queda dos salários e o aumento do desemprego, acompanhados do emprego intermitente, afetaram o consumo, agravando a crise no mercado interno e gerando um déficit significativo nas contas públicas. 

Colocar o Direito do Trabalho como responsável – total ou em parte – pelas crises ou propô-lo como variável de ajuste para superá-las não resiste à análise e, na verdade, busca gerar transferências de recursos dos setores do Trabalho para os do Capital, aprofundando os desequilíbrios entre um e outro.

 

O sindicalismo

 

A autoproteção dos trabalhadores tem sido fundamental para resolver o conflito próprio e inerente ao sistema Capitalista, oferecendo possibilidades de alcançar níveis crescentes de direitos, bem como de exercer a defesa essencial para conservá-los e ampliá-los.

Evidentemente que, partindo da ostensiva relação assimétrica que existe entre as pessoas que trabalham e aqueles que as empregam, a força necessária para vencer, em certa medida, tal desequilíbrio, só foi possível através da organização e da ação coletiva, ou seja, com base na decisão de sindicalizar-se e formar associações de trabalhadores.

As formas como esse desejo associacionista se concretizou, os critérios presididos pela união dos trabalhadores, os modelos adotados ou desenhados, entre tantas outras singularidades que mostram as experiências pelas quais o Movimento Trabalhista historicamente passou, derivaram (e continuam a resultar) de processos particulares vivenciados nos diferentes países e regiões do mundo, não isentos de filiações partidárias e ideológicas que determinaram seu futuro.

Sem pretender estabelecer uma fórmula ou projeto único e válido em qualquer tempo ou lugar, entendo que é pertinente destacar alguns aspectos que (a meu ver e à luz do que revelam os múltiplos caminhos das lutas operárias) são exibidos como especialmente importantes para proporcionar melhores possibilidades de superar com êxito as clássicas pelejas com o Capital.

A concentração na representação constitui um desses aspectos, que implica a capacidade de se estabelecer numa vasta organização nos âmbitos pessoal, territorial e funcional de atuação e associação com relação a um determinado universo de trabalhadoras e trabalhadores.

Essa alternativa supõe a formação de uma associação sindical de atividade, ramo de atividade ou da economia (da indústria, serviços ou comércio) a partir de uma concepção verticalizada que inclua todas as pessoas que trabalham, seja qual for o seu cargo, qualificação ou categoria profissional. Alternativa tradicionalmente resistida pelas associações patronais que tendem a promover outras fragmentárias, como os sindicatos empresariais que são tão difundidos (e geralmente fracos) na América Latina, sendo uma exceção as realidades que oferecem (com maior ou menor intensidade) pelo Brasil, Uruguai, México e Argentina.

As organizações que se reúnem com base no ofício, categoria, profissão ou outras expressões “horizontais” (na medida em que passam por atividades ou empresas de natureza diversa) têm maior potencial que as de empresas, mas não chegam a emular o que é possível reunir nas formações anteriormente mencionadas. Trata-se de um tipo de sindicato que encontra suas máximas expressões nas origens do associacionismo, embora algumas ainda perdurem, seja por sua sobrevivência e validade mantidas nestes tempos ou por fenômenos mais recentes, como o surgimento de novos papéis trabalhistas que não encontraram lugar ou abrigo nos sindicatos existentes ou que surgiram com a sindicalização de categorias outrora mais resistentes a essas formas associativas (como ocorre com o pessoal hierárquico ou com os titulares de nível superior ou universitário que se identificam com as atividades chamadas de profissões liberais e de cuja autonomia no exercício profissional pouco ou nada restou).

A capacidade de representação está intimamente ligada às capacidades de conflito e de negociação, que são geralmente determinadas pela primeira, bem como retroalimentadas pelas últimas e, portanto, mantém-se uma clara relação dialética.

Na convivência (e até certa convergência) que supõe o Sistema de Relações de Trabalho no Capitalismo, a oferta pelo produto do trabalho, a distribuição da riqueza criada, o dilema para os caminhos de acesso a uma vida melhor das grandes maiorias ou ceder à ganância inesgotável da acumulação excessiva de minorias privilegiadas expressam o conflito subjacente que constitui a própria essência desse Sistema.

Encontrar vias menos virulentas, que proporcionem a equidade indispensável à paz social, requer exercícios que proporcionem uma crescente democratização do Sistema e da participação no destino comum que, por direito, corresponde à classe trabalhadora. A negociação coletiva é uma alternativa legítima para esse fim: promovê-la e institucionalizá-la é fundamental, sem que isso implique renunciar ao confronto aberto (que nada mais é do que a emergência de conflitos subjacentes quando não encontram outro canal) e em que, em sua potencialidade ou realização concreta, se assenta a força de negociação da força de trabalho.

Nessa tríade (representação, negociação e conflito), fundamenta-se a autoproteção coletiva, expressa-se a liberdade de associação e se define a melhor forma de organização sindical para cumprir as tarefas que lhes são próprias.

Como sempre, porém hoje mais ainda pela dimensão e transnacionalidade das grandes corporações empresariais, é necessário reforçar e fortalecer o empoderamento associativo com um Estado presente, não neutro, na disputa Capital-Trabalho e com uma intervenção (não ingerência) indispensável em matéria de regulamentações trabalhistas no individual e coletivo, proporcionando certas garantias para o exercício da liberdade sindical que seja real e prevalente para as pessoas que trabalham e suas organizações associativas. 

Um parágrafo à parte, que entendo ser de especial relevância nestes tempos, é a permeabilidade que se impõe ao sindicalismo com relação às demandas crescentes das massas trabalhadoras e, muito particularmente, do ativismo e militância sindical. 

Uma é a oxigenar (renovar o clima interno) dos sindicatos no que se refere aos seus quadros dirigentes para além de discutir a reeleição indefinida dos cargos de direção, oferecendo em atos concretos sinais de promoção à participação, com as consequentes possibilidades de aspirar à integração e correlativa renovação dos membros dos Corpos Orgânicos.

Outra, vinculada à anterior, é o desenvolvimento de campanhas adequadas para convocar a juventude trabalhadora a filiar-se, militar e concorrer lealmente nas diferentes instâncias associativas.

Em terceiro lugar, intrincada fortemente nas precedentes, mas com uma dimensão simbólica e funcional ainda maior, assumir uma férrea perspectiva de gênero e das chamadas diversidades que se refletem tanto no institucional como nas demandas e na obtenção (ou fortalecimento) de novos direitos que, tradicionalmente, não fizeram parte do ideário, dos programas e das reivindicações sindicais (enviesados a partir de uma ótica nitidamente patriarcal).

 

Para resumir

 

O Sistema de Relações Trabalhistas se nutre de diversas fontes normativas, porém destacam-se a estatal (legal em sentido lato) e a proveniente da autonomia coletiva, que mantêm entre si uma relação dialética com viés protetivo segundo o princípio de progressividade.

O grau e intensidade da predominância de uma ou outra das fontes supracitadas está ligado: por um lado, ao nível de desenvolvimento da liberdade sindical em termos de capacidade de organização, de negociação e de conflito que as organizações sindicais possuem em um dado momento; e, por outro, ao desenvolvimento social, cultural e produtivo alcançado, bem como à força dos grupos concentrados da economia e seu poder de incidência nas decisões soberanas de um país. 

O papel do Estado como balanceador das desigualdades próprias que se verificam entre o Capital e o Trabalho, com as consequentes assimetrias inerentes às relações individuais de trabalho, determina, por sua vez, a extensão da necessária intervenção estatal nas relações sociais e produtivas em função dos fatores anteriormente indicados.

Em tal ordem de ideias, e como se depreende do caminho que o Direito do Trabalho evidencia desde o seu início, a lei tem um papel fundamental na promoção da Justiça Social e sua relevância acrescenta-se tanto no que diz respeito aos setores trabalhistas mais vulneráveis como também (e não só a seu respeito) em épocas críticas que, por si mesmas, geram maior vulnerabilidade para quem vive do seu trabalho.

A Argentina, e em geral toda a América Latina, desde o fim do século XX tem sido um laboratório de políticas fundadas em uma pretendida Ordem Pública Econômica sob um axioma de um anunciado despejo de supostos benefícios trabalhistas e sociais como destino natural do livre jogo das forças do Mercado. O custo dessa experiência sempre foi extremamente alto em termos de pobreza, atraso, precariedade no trabalho e baixa qualidade institucional que afetou profundamente a vida democrática.

Assim, não parece razoável, do ponto de vista de um puro exercício intelectual ou cientificista:  ou colocar dilemas como se o direito do trabalho pode ser uma barreira ao desenvolvimento ou à criação de empregos; ou interrogar se a desregulamentação garante a criação de empregos; ou falar sobre demasiada proteção contra demissão, quando no mundo em geral e nesta região do Planeta em particular está longe de haver dispositivos de proteção que permitam uma qualificação semelhante; ou questionar o valor da negociação coletiva como instância democratizadora das relações trabalhistas e fundamental para uma regulação equitativa das mesmas, questionando-se se isso pode funcionar como barreira para o desenvolvimento de negócios; ou duvidar sobre se é acessível ou realista contar com padrões mínimos de trabalho em condições de desemprego em massa sem sequer considerar quais seriam as causas, os responsáveis e beneficiários de uma situação semelhante.

A reflexão precedente parte da suposição que não se deve falar: de um emprego qualquer, como mera estratégia de sobrevivência, mas de trabalho digno, com direitos e que permita a realização humana de quem trabalha; nem que o debate que se propõe seja apenas unicamente sobre a questão da produtividade, competitividade e rentabilidade em favor de uma acumulação unilateral em desacordo com uma distribuição justa e adequada entre aqueles que convergem para a criação de riquezas.

Todo o Direito é um catalisador de conflitos sociais e ordenador da vida em comunidade, dotado de princípios, valores e finalidades teleológicas determinadas. Portanto, como tal, nunca é neutro; muito menos o Direito do Trabalho, que é, por antonomásia, não-neutro, uma vez que desde seu nascimento foi reconhecido e declarado de tal modo a estruturar todo o seu edifício conceitual a partir do princípio protetivo.

Consequentemente, a lei e o desenvolvimento do trabalho não podem ser pensados em termos antitéticos, mas sim como consubstanciais ao progresso social e à crescente humanização do trabalho, que deve ser consequência do progresso econômico. 

A partir dessa perspectiva, é imprescindível uma combinação da ação do Estado e da representação social das trabalhadoras e trabalhadores para a construção de políticas que permitam tornar uma realidade efetiva, e não meramente retórica, a enunciação de objetivos como os indicados anteriormente.

A proatividade estatal não implica necessariamente uma interferência que leve à violação da autonomia coletiva ou à afetação da liberdade de associação, como se pretende a partir de um pensamento (no melhor dos casos) animado por um liberalismo social morno e seduzido por categorias eurocêntricas que não respondem às realidades próprias dos países periféricos, nos quais a dependência dos centros de poder mundial é a principal encruzilhada que enfrentam.

Sem desconhecer a exigência de assegurar a autonomia coletiva e a independência que, em ordem aos direitos inerentes à liberdade sindical, devem gozar os sindicatos, o Movimento dos Trabalhadores deve se inserir como protagonista na elaboração e implementação de um Projeto Nacional que garanta um desenvolvimento com Justiça Social.

A partir dessa perspectiva, a participação política do Movimento dos Trabalhadores é imprescindível, pois diante da magnitude que o Capital adquiriu por meio dos grupos concentrados da Economia, a aliança com o Estado e sua inserção institucional nas diversas instâncias de Governo é fundamental para alcançar uma reconfiguração democrática e reposicionar-se para a defesa dos direitos sociais conquistados, para a recuperação daqueles que lhe foram subtraídos e para sustentar o objetivo irrenunciável de atender sua gradual expansão.

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