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Política ambiental: a irrevogável prioridade do século XXI

Carolina Corrêa

Doutora em Sociologia pela Universidade do Porto. Pesquisadora de Pós-Doutorado vinculada ao PPG Ciência Política da UFRGS.

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Os maiores riscos globais para os próximos anos estão relacionados com questões ambientais. A edição de 2021 do Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial[1] aponta os cinco principais riscos globais para a próxima década: eventos climáticos extremos (como condições meteorológicas incomuns, severas ou fora da estação); dano ambiental causado por seres humanos; fracasso da ação climática (como a dificuldade em conseguir diminuir a emissão de gases poluentes); doenças infecciosas (como a Covid-19) e, por último, a perda da biodiversidade. Todas essas ameaças globais, de alguma forma, já se fazem presentes na atualidade, de modo que tal projeção apenas reforça o caráter de urgência das políticas ambientais. A ineficácia na implementação desse tipo de agenda tem se mostrado um perigo iminente que envolve, até mesmo, questões de saúde.

De fato, a gravidade da pandemia da Covid-19 e a falta de um plano de ação mundial e organizado para lidar com um tipo de vírus zoonótico[2] altamente contagioso incita uma reflexão sobre o tipo de relação que os seres humanos têm desenvolvido com o meio ambiente, visto que as principais causas da disseminação desse vírus incluem ações humanas de degradação ambiental. A cada ano, surgem em média três novas doenças infecciosas em seres humanos e mais de 75% delas são zoonóticas. Esses e outros dados foram divulgados num relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente (PNUMA)[3], publicado em 2016 – esse documento já alertava para a emergência desse tipo de doença e sinalizava essa situação como uma questão de risco ambiental global. Em outras palavras, o contexto pandêmico que temos enfrentado é um reflexo direto do modo como nos relacionamos com a natureza.

Em dezembro de 2020, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que precisamos estar preparados para a existência de futuras pandemias que podem ser ainda mais graves que a da Covid-19. Tedros salientou que “todos os esforços para melhorar os sistemas sanitários serão insuficientes se não forem acompanhados de uma crítica da relação entre os seres humanos e os animais, assim como da ameaça existencial representada pelas mudanças climáticas, que estão transformando a Terra num lugar difícil para se viver”.

A verdade é que o nosso planeta já enfrenta uma crise ambiental global há algum tempo e diversos são os fatores que a caracterizam. Em primeiro lugar, podemos citar os fatores tecnológicos, como a obsolescência programada e a alta dependência da tecnologia no nosso cotidiano; em segundo lugar, os fatores populacionais, que envolvem o aumento da população mundial e, consequentemente, maior produção de lixo e de poluição, bem como a necessidade de gerar mais energia; e ainda, os fatores econômicos, destacando-se a busca desenfreada por crescimento econômico dentro da lógica do industrialismo (Bursztyn & Bursztyn, 2013).

Paralelo a esses fatores e devido ao agravamento da poluição mundial, já enfrentamos riscos ambientais relacionados às mudanças climáticas. As estimativas sobre os efeitos do aquecimento global são bastante assustadoras e preveem que desastres ambientais de ordem climática serão cada vez mais frequentes (Wallace-Wells, 2019). De acordo com as projeções mais recentes das Nações Unidas, até 2050 é provável que existam mais de 200 milhões de refugiados do clima[4].

Não obstante, vivemos num contexto em que grande parte da população é cética em relação a tais projeções, as desconhece ou simplesmente tende a se preocupar com aspectos que influenciam o seu cotidiano de modo mais imediato – aqueles problemas diários que, teoricamente, podem ser resolvidos a curto prazo. Todavia, estão os riscos ambientais tão longínquos da nossa realidade? Qual é o momento certo para que a agenda ambiental se torne uma prioridade política e global?

 

Uma pauta que nasceu no século XX

Desde o fim do século XX, as questões ambientais têm adquirido um espaço importante no cenário internacional. O movimento verde ganhou força política a partir da década de 1970, quando foram fundados, em diferentes países, os primeiros partidos políticos, locais e nacionais, que representavam ideais ecologistas e/ou ambientalistas (Corrêa, 2020). Nesse mesmo período, aconteceu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo, na Suécia. O evento reuniu representantes de diversos países para dialogar sobre a relação entre desenvolvimento econômico e degradação ambiental.

A percepção de que enfrentávamos uma crise ambiental global, somada à globalização econômica e à revolução informacional e tecnológica, influenciou o surgimento da ideia de governança ambiental global – que pode ser entendida como uma ação multilateral por parte dos governos e organizações internacionais interessados em cooperar para alcançar determinados objetivos em termos de preservação e conservação ambiental. Essa concepção foi reforçada no decorrer da década de 1980, quando descobrimos o buraco na camada de ozônio e, então, a agenda relacionada à mudança climática passou a ser o ponto alto da noção de cooperação internacional ambiental.

Ao longo das décadas de 1980 e 1990, a governança ambiental global e os compromissos que os países assumiam paulatinamente diante desse modelo de cooperação revelaram responsabilidades ambientais para diferentes esferas do poder: o estado, a sociedade civil e os atores do mercado. A busca pelo ecodesenvolvimento, posteriormente chamado de desenvolvimento sustentável, passou a ser um compromisso compartilhado não só por diferentes regiões do mundo, mas também por diferentes atores.

A noção de desenvolvimento sustentável está presente como parte elementar daquilo que se espera dos países interessados na governança ambiental global. Esse termo apareceu, de modo oficial, pela primeira vez, num documento elaborado em 1980 pela União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) e foi caracterizado a partir de cinco aspectos centrais: (1) integração da conservação e do desenvolvimento; (2) satisfação das necessidades básicas humanas; (3) alcance da equidade e justiça social; (4) provisão da autodeterminação social e da diversidade cultural; e (5) manutenção da integração ecológica. (Pires, 2003).

Em 1987, o documento O nosso futuro comum, também conhecido como Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, reforçou esse entendimento sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, definindo-o como: “aquele desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem as suas próprias” (CMMAD, 1988, p. 46). Esse relatório foi um marco importante na construção da ideia de governança ambiental global, pois indicava ações que poderiam ser tomadas pelos Estados e definia metas específicas a nível internacional, partindo do pressuposto de que seria possível e (até mesmo) desejável que os países conciliassem crescimento econômico e conservação ambiental, uma combinação que, até então, parecia ser totalmente incompatível.

No Brasil, esse contexto verde internacional fortaleceu, ao longo da década de 1980, um movimento ambientalista que já borbulhava em diferentes partes do país. Personalidades e ativistas políticos que tinham a agenda ambiental como a sua principal bandeira política e de luta pessoal passaram a ocupar espaço na cena política da jovem democracia brasileira. Em 1988, meses antes do ativista político e líder ambiental Chico Mendes ser assassinado, o Brasil promulgou a sua nova Constituição Federal e, diante da pressão de movimentos nacionais e internacionais, dedicou um capítulo específico para tratar do Meio Ambiente (Capítulo VI). Portanto, está prevista na carta magna do país que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Art. 225, Constituição Federal Brasileira, 1988).

Em 1992, o Brasil abrigou a terceira Conferência das Nações Unidade sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como ECO-92 ou Rio-92. Neste evento, foi lançada a Agenda 21, um documento assinado por 179 países – elaborado a partir da contribuição de governos e organizações da sociedade civil – que visava traduzir, em ações de âmbito global, nacional e local, a ideia de desenvolvimento sustentável. O plano de ação que compõe esse documento envolve as dimensões social, econômica, cultural, educacional e ambiental das populações. Esperava-se que este fosse o impulso necessário para que a governança ambiental global virasse o século com força suficiente para deixar a esfera dos acordos e se materializar em práticas sociais e econômicas reais (Corrêa, 2017).

 

O século XXI e a tentativa (ainda) frustrada de priorizar o meio ambiente

Viramos o século, já alcançamos a sua segunda década, e ainda são assustadoras as projeções relacionadas a riscos ambientais. Além disso, foram poucas as ações políticas em prol da diminuição da degradação ambiental a nível global. Fizemos alguns avanços, mas o caminho a ser percorrido ainda é bastante longo e exige um compromisso político cada vez maior, especialmente por parte dos países considerados desenvolvidos.

Entre o fim do século XX e o início do século XXI, atores políticos filiados a partidos verdes já conseguiam ocupar espaços dentro de instituições políticas em diferentes partes do mundo – especialmente em cargos no legislativo ou no comando de pastas ministeriais. A atuação dos verdes dentro dos espaços de governo não foi tão intensa quanto a política de protesto e oposição que praticavam nas ruas e na arena eleitoral. Dentro dos espaços de poder, os partidos verdes propuseram apenas reformas bastante limitadas, aquelas que eram possíveis dentro das restrições de um governo de coalizão (Poguntke, 2002). O enfrentamento de agendas econômicas tradicionais, por exemplo, levou esses atores políticos, em diferentes contextos regionais, a optar por discursos e ações ambientalistas mais reformistas do que revolucionárias – caiam, inevitavelmente, no velho dilema que envolve a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico (Corrêa, 2020).

Apesar dos verdes não conseguirem implementar uma agenda ambiental mais robusta, cabe salientar a importância da sua inserção dentro do quadro político institucional em vários países. Gradativamente, os problemas ambientais têm aparecido de modo mais frequente dentro do debate público e, num processo que perdura até hoje, caminham na direção de se tornarem uma das principais bandeiras eleitorais em partidos de diferentes posicionamentos ideológicos.

Essa trajetória de inserção política dos verdes resulta, em parte, no que aconteceu com a Agenda 21. Não podemos dizer que a sua implementação não aconteceu ou não foi bem sucedida, essa seria uma análise superficial devido à existência de diversos projetos e políticas regionais que se inspiraram em metas da Agenda 21 local. Todavia, também não é possível comemorar o sucesso da iniciativa de modo global.  As práticas da Agenda 21 no mundo real estão bastante longe de se igualar àquele modelo ideal de Agenda 21 local que foi pensado no início da década de 1990 (Barrutia et al., 2015).

Na Rio+20, a mais recente edição da Conferência das Nações Unidas, realizada em 2012, no Rio de Janeiro, um dos objetivos centrais foi justamente discutir e avaliar o progresso obtido até então em relação às metas da Agenda 21 e identificar as lacunas que ainda precisam ser preenchidas e superadas (Biermann, 2013). Essa revisão de metas resultou num documento, firmado por 193 países, lançado em 2015 – a Agenda 2030. Com metas abrangentes e ambiciosas nos campos social, econômico e ambiental, a Agenda 2030 entra para o arcabouço normativo da governança ambiental global como um dos principais documentos que orientarão as ações dos países nos próximos anos.

No Brasil, a Agenda 21 começou a ser implementada de modo nacional e local apenas em 2003. Mesmo diante desse atraso na operacionalização das ações, é quase um consenso entre os especialistas que o processo de construção da Agenda 21 brasileira conseguiu envolver grande parte da população. Houve um grande processo de consulta popular, que abordou questões de interesse de comunidades e contextos específicos de diferentes partes do país, contando com a participação de mais de 40 mil pessoas. No entanto, a prática de implementação e monitoramento da Agenda não alcançou grande êxito. Por um lado, as Agendas 21 locais perderam espaço no momento de mudança dos governos nos diferentes níveis de poder, enfrentando um problema comum das políticas públicas no país – a síndrome do fim de mandato (Bursztyn & Bursztyn, 2013). Por outro lado, o governo brasileiro não adotou um sistema de monitoramento e avaliação da Agenda 21, resultando na ausência de uma estrutura própria de governo para fiscalizar e incentivar o cumprimento das metas e ações em questão (Malheiros et al., 2008). Esse exemplo de implementação da Agenda 21 no Brasil exemplifica a dificuldade da questão ambiental realmente tornar-se uma prioridade política.

Nesse sentido, outro aspecto que tem marcado o século XXI é a atuação de líderes políticos que claramente se opõem à governança ambiental global. A eleição de Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos, e a eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil, em 2018, são exemplos desse caso. Dois países que tradicionalmente buscavam apoiar as ações das Nações Unidas em prol do meio ambiente e, assim, manter uma posição diplomática dentro da ideia de governança ambiental global, mudam o registro de ação diante da eleição desses dois atores políticos que sustentam um discurso negacionista no que se refere ao meio ambiente. No caso dos EUA, desde o período eleitoral, Trump declarou, sem pudor, o seu ceticismo em relação às questões climáticas, o que resultou, por exemplo, no pedido formal enviado por Trump à ONU, em novembro de 2019, para retirar os EUA do Acordo de Paris. No caso do Brasil, o cenário é bastante semelhante, pois Bolsonaro demonstrou pouco interesse na agenda ambiental desde o período eleitoral e no decorrer do seu governo emitiu decretos que reduzem a fiscalização ambiental, levantou suspeitas a respeito de ONGs nacionais e internacionais provocarem queimadas na Amazônia e, entre várias outras ações de mesmo perfil, influenciou a desistência do Brasil em sediar a COP-25, a principal conferência das Nações Unidas sobre o clima.

A emergência desse tipo de liderança negacionista em termos ambientais pode (e precisa) ser constrangida com sanções e, de certo modo, repreendida politicamente pelos países e atores políticos que cooperam pelo funcionamento eficaz da governança ambiental global. A promoção de políticas ambientais no nível local e a colaboração para implementação dessa agenda no âmbito global é urgente e independe do posicionamento ideológico de cada governo – é uma prioridade irrevogável, um assunto de Estado, se quisermos continuar a viver neste planeta. Joe Biden, novo presidente dos EUA, parece ter percebido a importância dessa tomada de posição e ressaltou, já nos primeiros discursos depois de eleito, que pretende recolocar o país no quadro da governança ambiental global e fazer da agenda climática uma política transversal no seu governo.

 

Os caminhos para fortalecer as políticas ambientais no âmbito global

É notável que o caminho para alcançar resultados positivos em termos de desenvolvimento sustentável ainda é bastante longo – a nossa caminhada do fim do século XX até aqui tem nos mostrado o tamanho desse desafio. A atuação dos países na busca por uma transformação no seu modelo de desenvolvimento e na implementação de práticas e políticas ambientais ainda é um horizonte que mais parece uma miragem. Todavia, conforme já salientado na introdução deste texto, a atual pandemia trouxe-nos uma reflexão importante sobre as prioridades políticas e sobre aquilo que as nossas ações no meio ambiente podem resultar. Será que estamos preparados para as próximas pandemias e para os desastres ambientais que podem acontecer em breve? É irrevogável e inevitável a prioridade política das questões ambientais.

O conjunto que abriga, inseparavelmente, a justiça social e a preservação ambiental precisa ser entendido como um direito fundamental; para tanto, é necessário que essa pauta seja acolhida com compromisso e com responsabilidade por atores políticos e por aqueles que possuem poder de decisão. Ainda não fomos bem sucedidos nessa tarefa que nos desafia desde o fim do século XX – a busca pelo desenvolvimento sustentável – mas é urgente que essa pauta se sobressaia nas agendas políticas em todos os continentes, independentemente do grau de desenvolvimento de cada país. O desafio é complexo porque perpassa questões locais e globais e exige ação e decisão de atores políticos nestes diferentes campos de poder.

Desde o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, o grande óbice que se coloca para a governança ambiental global é o de articular interesses tão diversos, incluindo diferentes tipos de agentes econômicos e o princípio de soberania nacional de cada país – no qual o objetivo seria, então, compatibilizar os diferentes interesses que caracterizam a lógica do mercado, a preservação ambiental e a justiça social. Nesse contexto, os países em desenvolvimento (ou menos desenvolvidos), grupo do qual o Brasil faz parte, possuem um desafio ainda maior: buscar um desenvolvimento includente, sustentável e sustentado que, como o próprio termo já diz, consiga superar a desigualdade social e degradação da natureza. A alternativa é apostar na adoção gradual e permanente de estratégias de desenvolvimento endógeno socialmente includentes e ambientalmente sustentáveis (Sachs, 2008). Na prática, a busca pela justiça ambiental nestes contextos engloba a valorização de movimentos de base camponesa alinhados com a ideia de economia solidária e, sobretudo, a possibilidade de resolução de antigos conflitos ambientais locais (Martínez Alier, 2018).

A busca pela inserção de políticas ambientais nos governos nacionais e de uma cooperação no âmbito internacional também está relacionada com escolhas políticas individuais e partidárias e com o desenho constitucional de cada país. Estes aspectos vão ditar se o caminho para alcançar o desenvolvimento sustentável poderá acontecer a partir de um movimento de reforma ou se será necessária uma ruptura político-institucional (Corrêa, 2020a). Como argumentava Ignacy Sachs desde os anos 1970, a grande questão não se refere puramente aos aspectos quantitativos de crescer ou não crescer, mas sim ao exame da qualidade desse crescimento e à identificação daquilo que precisa ser mudando para alcançar uma meta de desenvolvimento social e ambientalmente aceitável.

Transformar ou superar o modelo de desenvolvimento que naturalmente caracteriza o capitalismo é, sem dúvida, o maior desafio do século XXI – uma pauta que precisará adentrar de modo mais efetivo nos planos de ação da governança ambiental global. Para isso, o possível caminho passa por estabelecer estratégias de médio e de longo prazo que envolvam compromissos compartilhados nos diferentes continentes. Os países industrializados, ditos desenvolvidos, precisarão inevitavelmente assumir uma fatia mais do que proporcional dos possíveis custos de transição e do ajuste político-econômico e tecnológico a ser empreendido.

A eficácia dessa transição vai depender da ousadia das mudanças institucionais, da habilidade dos governos em conseguir projetar políticas que sejam multidimensionais e transversais às agendas econômicas, sociais e ambientais e, ao mesmo tempo, dependerá da vontade dos atores políticos e econômicos em redirecionar e repensar os rumos do progresso tecnológico (Sachs, 1993). Concomitantemente às estratégias de cunho político e institucional, deve haver uma gradual mudança nos estilos de vida e padrões de consumo da população, atendendo novas formas de produção capazes de incorporar técnicas ambientalmente responsáveis e alternativas como a economia solidária. O fato é que o desenvolvimento sustentável e a implementação de políticas ambientais precisa ser mais do que um discurso de ordem normativa ou parte de um arranjo meramente diplomático, precisa estar presente nas práticas políticas e sociais, além de fazer parte do debate público com a sociedade. O exercício prático para o gestor político é refletir se, no seu governo, as políticas econômicas, sociais, educacionais, habitacionais e todas as demais são compatíveis com a preservação ambiental do seu país e como isso se reflete no mundo.

Como salienta Viola (2003, p. 183), “todos os países querem cooperar para atenuar a mudança climática, mas todos o fazem a partir de posições de maximização do interesse nacional, o que torna complicada a cooperação internacional”. É necessário agir para preservar os recursos naturais do planeta sem ferir por completo o princípio da soberania nacional, mas estando conscientes de que o esforço deve ser coletivo e convergir, sobretudo, para a noção de colaboração internacional.

De fato, a governabilidade ambiental global precisa ser compreendida como uma ação política complexa, integrada por numerosos processos e pautada por diferentes interesses que nem sempre irão convergir. Essa governabilidade, na prática, é gerida por pessoas, por atores políticos que precisam interagir de modo democrático e realista. Em outras palavras, o sucesso da governança global, em determinado momento histórico, dependerá da orientação dos atores numa direção mais cosmopolita que nacional, mais liberal que utópica e mais realista que formal (Viola, 2003). Uma realidade na qual os países desenvolvidos, em especial, reconheçam o seu lugar na governança global, respeitem e apoiem o desenvolvimento endógeno sustentável dos países mais pobres e entendam isso como parte de um novo e necessário modelo de geopolítica que coloca os interesses do planeta Terra acima dos interesses econômicos específicos de cada país e de cada bloco.

Evidentemente, os países e seus respectivos atores políticos ainda vão demorar para compreender com clareza o quão urgente é a adoção desse tipo de cooperação política internacional, mas os riscos ambientais são atuais e reais. Doenças zoonóticas altamente contagiosas, inundações, aumento do nível do mar, tempestades tropicais, o possível declínio econômico e o aumento da competição alimentar devido às mudanças ambientais globais são ameaças graves para milhões de pessoas (Jerneck & Olsson, 2010). Em suma, é hora de agir. No entanto, como destaca Biermann (2013), vivemos diante de uma preocupante incompatibilidade: por um lado, as pesquisas e as recomendações dos analistas ambientais, por outro, as ações dos tomadores de decisão política, que parecem ainda estar presos em um sistema de estado-nação herdado do século XX. Em termos ambientais, é preciso superar as amarras individualistas do campo político nacional e apostar na construção de um tipo de governança global baseado no diálogo e na busca pela implementação coordenada de políticas objetivas e reais de médio e longo prazo. Façamos isto para que não seja preciso ler como verdade as palavras ditas na ficção por J.H. Rosny Aîne (2019) – “o planeta deixou o homem prosperar: seu reino foi o mais feroz, o mais poderoso – e o último”.

 

Referências Bibliográficas:

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[1] Consulte o relatório completo aqui: https://www.weforum.org/global-risks/reports

[2] Uma zoonose é uma doença infecciosa que é transmitida dos animas para os seres humanos. Para mais esclarecimentos, consulte: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/zoonoses.

[3] Consulte o relatório completo aqui: https://www.unenvironment.org/resources/frontiers-2016-emerging-issues-environmental-concern

[4] Para saber mais sobre isso, consulte: https://www.unhcr.org/news/latest/2020/11/5fbf73384/climate-change-defining-crisis-time-particularly-impacts-displaced.html

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