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O bolsonarismo é uma corrente de extrema-direita ou neofascista? Como derrotá-lo?

Valerio Arcary

Professor titular no IFSP, doutor em História (USP, 2000), e autor de livros. Militante do PSol, da corrente Resistência, foi membro da Executiva Nacional do PT e primeiro presidente nacional do PSTU.

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A coragem evita mais perigos que o medo

Sabedoria popular portuguesa

 

Há uns quatro anos abriu-se um debate se Bolsonaro é ou não um neofascista. Esta discussão não é diletantismo. Exige rigor. Um partido eleitoral pode ser, eleitoralmente, vencido. Derrotar uma corrente neofascista é muito mais complicado. Quais devem ser os critérios para a classificação de neofascista, em perspectiva marxista? É preciso ser muito sério quando estudamos nossos inimigos. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer.

Evidentemente, a qualificação de qualquer corrente política ou liderança de ultradireita como fascista é uma generalização apressada, historicamente, errada e, politicamente, indevida. O fascismo é um perigo tão sério que devemos ser serenos na sua definição. Toda a extrema-direita é radicalmente reacionária. Mas nem toda a extrema-direita é neofascista. São três as grandes narrativas sobre o significado do bolsonarismo na esquerda:

(a) a primeira, predominante no PT, defende que as jornadas de junho de 2013 inauguraram uma “onda conservadora”, e abriram o caminho para uma ofensiva que derrubou o governo Dilma Rousseff e prendeu Lula. O bolsonarismo seria uma reação às reformas progressivas dos governos de coalizão liderados pelo PT, ou seja, seus acertos;

(b) a segunda, minoritária no Psol, explica que junho de 2013 foi uma mobilização democrática progressiva; as mobilizações contra a corrupção em 2015, impulsiondas pela operação Lava-Jato estavam em disputa; e o governo Bolsonaro resultou, fundamentalmente, de uma derrota eleitoral, em função das traições dos governos do PT, mas não estamos em uma situação defensiva.

(c) a terceira, majoritária no Psol, sustenta que as jornadas de junho de 2013 estavam, socialmente, em disputa, mas que as mobilizações da classe média em 2015/16 eram reacionárias. Defende que o giro do governo Dilma Rousseff para o ajuste fiscal, que produziu uma recessão econômica catastrófica provocou desmoralização social entre os trabalhadores; e conclui que o crescimento do bolsonarismo só foi possível em função de derrotas acumuladas pelos erros dos governos de coalizão liderados pelo PT, mas seu significado histórico repousa numa reação burguesa, em escala continental, impulsionada pelo imperialismo.

O governo Bolsonaro é uma frente que articula diferentes alas da extrema-direita. É muito reacionário, mas não é um governo fascista.  O regime se mantém como um regime democrático-liberal presidencialista com divisão institucional de poderes, ainda que com crescentes deformações bonapartistas, em especial, pelo alinhamento das Forças Armadas e Polícias. A luta institucional entre o STF e, em menor medida, o Congresso contra o Executivo já assumiu formas agudas.

Mas Bolsonaro é um neofascista, e tenta construir um partido neofascista. Ou um fascista da etapa histórica em que vivemos, depois da restauração capitalista na ex-URSS e China. Esta caracterização seria insuficiente, evidentemente, sem mediações. As mediações não são um recurso de “elegância hegeliana”. Alertar, por exemplo, que um partido fascista de combate ainda não existe é necessário. A organização neofascista se mantém como uma corrente eleitoral. Mas enganam-se os que pensam que se trata de um exagero. Bolsonaro é perigosíssimo. Um dos centros de sua estratégia é a fascistização de sua corrente como instrumento de luta política para conseguir um segundo mandato.

O fenômeno Bolsonaro deve ser inserido em um contexto internacional. Ainda que as peculiaridades do processo brasileiro tenham sido essenciais, os impactos econômico-sociais da última grande crise econômica capitalista favoreceram o crescimento da influência de correntes e lideranças de extrema-direita. A eleição de Trump nos EUA foi um grande marco. Estimulou uma tendência que vinha crescendo na França com o Rassemblement National de Marine Le Pen e, também, na Espanha, como o Vox. Outros governos de extrema-direita chegaram ao poder. Na Índia, o ultranacionalista governo Modi.

Governos do Grupo de Visegrado (Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia), como os de Andrzej Duda e Viktor Orban unem discursos misóginos, discurso LGBTfóbico e ultrareligioso. Outros governos que podem ser enquadrados, também, como de extrema-direita, são Erdogan na Turquia, Netanyahu, até há pouco, em Israel, e Rodrigo Duterte nas Filipinas. Ou o incrível Lukashenko na Bielo-Rússia que recomendou vodka como prevenção no início da pandemia.

 

Um novo momento na conjuntura

Nada é mais importante que derrotar Bolsonaro. A oposição de esquerda cometeu muitos erros desde 2018. O principal, porque é recorrente desde as eleições, foi a subestimação do bolsonarismo. O governo perdeu força nos últimos dois meses, mas mantém posições.

Incidiu a hecatombe da pandemia, o desemprego catastrófico, a devastação das queimadas na Amazônia, as demissões de Ernesto Araújo, dos comandantes militares, de Pazzuelo e Salles, e a formação da CPI no Senado, a chacina do Jacarezinho. Mas a decisão do STF que garantiu a Lula a recuperação dos direitos políticos foi qualitativa. As manifestações do 29M, do 19J e do 3 de julho foram, também, extraordinárias. Abriu-se uma nova conjuntura mais favorável, mas a situação permanece defensiva, portanto, o destino da luta pelo impeachment está em disputa.

Por quê? Porque sem um giro da oposição de direita não é possível abrir uma brecha no Congresso Nacional. Atribuir aos partidos de esquerda a responsabilidade pela divisão da oposição não é honesto. Quem rejeitou assinar junto com a esquerda o “superpedido” de impeachment é que deve se explicar. A dissidência de Joyce Hasserlmann, ou do MBL, não diminui a ausência dos líderes do PSDB, entre outros.

O dilema da oposição liberal gera perplexidade, é até intrigante ou perturbador. O núcleo duro da burguesia brasileira já teve mais agilidade em outros momentos. Afinal, sem Bolsonaro as possibilidades eleitorais de uma candidatura de direita, hipoteticamente, seriam maiores. Mas até agora o medo do trauma de um novo impeachment prevalece e tem sido paralisante. Não são ambições pessoais, excessos sectários, ou rivalidades partidárias que explicam a ausência da oposição liberal da campanha pelo impeachment.

De qualquer forma, quem divide a oposição não é a pergunta chave na conjuntura. Como vamos derrotar Bolsonaro é a pergunta que importa. Podemos nos deixar conduzir pelos acontecimentos. Mas podemos tentar ter a iniciativa sobre os acontecimentos. A evolução da correlação de forças sociais e políticas será, evidentemente, decisiva. E permanecemos em uma situação desfavorável.

Mas as relações de força não são estáticas. Elas flutuam. Podem evoluir para melhor ou pior. A orientação, a ação, a vontade conta muito. Fazem a diferença. A política da esquerda deve ter como objetivo acumular mais forças. A questão é como. Isso exige discutir qual é a melhor tática, a mais eficaz, a mais inteligente. Há três em discussão.

 

O debate sobre a tática

Uma parcela da esquerda combativa defende a ofensiva permanente e sonha com a iminência da greve geral. Uma maioria das lideranças de dois, entre os três maiores partidos da esquerda, defende a tática da Frente Ampla, inclusive eleitoral, depois que a classe dominante se dividiu, e uma fração passou para a oposição. Por último, a Frente Única de Esquerda. Qual é a mais correta?

O caminho passa pelo desdobramento de duas iniciativas. Mas uma delas é estratégica: é a Frente Única de Esquerda, porque permite a defesa de um programa comum, e uma saída para a questão do poder. A outra é tática ou complementar: a unidade de ação ampla, amplíssima, “até doer”, aliás, como em 1984, quando das Diretas Já, nas redes, janelas, nas instituições e, sobretudo, quando possível, nas ruas.

A unidade de ação nas instituições entre a oposição de esquerda e a oposição de direita é útil para fortalecer a oposição, portanto, a acumulação de forças. A unidade de ação obedece a um objetivo central: dividir o campo do inimigo. Atrair para a oposição a Bolsonaro o maior número possível de forças que estiveram associados ao plano reacionário que passou pelo impeachment de Dilma Rousseff; apoiaram o governo Temer; terminaram se associando a Bolsonaro na campanha eleitoral; e lhe deram sustentação até o impacto da pandemia.

Aqueles que se deslocaram quando Bolsonaro abraçou o negacionismo, e acelerou os planos bonapartistas ao avançar para um controle pessoal da Polícia Federal. Dividir o campo do inimigo é importante. Mas é insuficiente. Porque é preciso entender que a oposição liberal não quer derrubar Bolsonaro. Pelo menos, por enquanto.

Há na esquerda quem se oponha à tática de unidade de ação. Defendem uma ofensiva permanente, porque discordam da apreciação que a situação é reacionária. É uma posição equivocada. Devemos golpear juntos com a oposição burguesa liberal exigindo a investigação dos crimes de responsabilidade de Bolsonaro, e apoiando decisões do STF que tentam limitar a escalada golpista dos neofascistas. Porém, golpear juntos na ação, não é o mesmo que marchar juntos, politicamente, porque estes acordos são pontuais. Não é possível marchar juntos porque a estratégia da esquerda deve ser derrubar Bolsonaro, derrotar o neofascismo, e apresentar uma saída para a questão do poder. Nada menos do que isso. A esquerda não pode, portanto, renunciar à luta pela direção da oposição.

Mas há na esquerda, também, lideranças, entre as mais importantes, que pensam o contrário. Há quem defenda que a melhor estratégia é uma paciente Frente Ampla eleitoral para 2022, apostando em um desgaste lento, gradual e contínuo do governo Bolsonaro, para evitar riscos de confrontos antes da hora. Uma tática muito arriscada, porque desconsidera uma possível recuperação de Bolsonaro, com a sensação de “alívio” sanitária e econômico-social que poderá ocorrer em 2022. Quando o inimigo está frágil a “mão” não pode tremer.

Sua palavra de ordem é “não provocar”. Quem aposta nessa estratégia defende que a esquerda deve sinalizar para as forças burguesas que se deslocaram para a oposição, que aceita um denominador comum contra Bolsonaro, que seria a posse de Mourão, em um mandato transitório. Aceitam o papel de “força auxiliar” na luta pelo impeachment, e hesitam em defender, se triunfar o impeachment, a antecipação das eleições. Enganam-se sobre o inimigo e, também, sobre os aliados.

Parece prudência, mas revela uma incompreensão do que é o bolsonarismo. O bolsonarismo não é somente uma corrente extremista, é o neofascismo. Preparam-se e não hesitarão em precipitar um ataque frontal às liberdades democráticas, quando se sentirem encurralados, antes de 2022. Ninguém na oposição liberal está disposto à confrontação.

 

Ir ou não ir ás ruas?

A derrota do governo Bolsonaro só é possível se a corrente neofascista que o apoia for contida, isolada, reprimida e desmoralizada. Há um partido neofascista militante em construção como força de choque ao serviço de um projeto de autogolpe. São inflexíveis, sectários, irados, enfurecidos, portanto, incontíveis. Sua exaltação obedece a um plano de disseminar o ódio e impor o medo. Preparam-se para a luta pelo poder. Apoiam-se em uma corrente de massas reacionária. Não respeitam nada, a não ser a força.

Têm como estratégia destruir a esquerda. Toda a esquerda. Os ativistas dos movimentos ambientalistas, feministas, negros, LGBT’s, estudantis, populares e sindicais. Os partidos mais moderados e os mais radicais. Não se deixarão intimidar por decisões do Congresso ou do STF. Só podem ser derrotados por uma força militante de esquerda motivada, combativa, decidida, e inabalável. Enganam-se, dramaticamente, aqueles que calculam que podemos escolher o terreno em que iremos medir forças com o bolsonarismo, e devemos priorizar o eleitoral.

A disputa nas ruas é muito difícil nas condições de quarentena, mas é inevitável. A luta política contra os neofascistas se dará em todos os espaços: nas instituições, nas eleições, mas será decidida pela força social de choque que for mais poderosa na hora das mobilizações de massas. Esta mobilização contra os fascistas só poderá galvanizar as massas populares se, além da defesa das liberdades democráticas, incluir propostas que respondam aos anseios mais sentidos. “Em defesa do Congresso e do STF” vai ser difícil convencer os trabalhadores a sair às ruas.

 

O que é o bolsonarismo?  

Bolsonaro é um caudilho. Sua liderança é a expressão de um movimento de massas contrarrevolucionário de classe média, apoiado por frações minoritárias da burguesia, diante das pequenas, porém, niveladoras reformas dos governos liderados pelo PT, a fobia da experiência venezuelana, e a regressão econômica dos últimos quatro anos.

Bolsonaro lidera um movimento político real, embora ainda não tenha um partido legalizado. O fato de não estar legalizado não é irrelevante, mas não diminui, tampouco, a sua influência de massas. O bolsonarismo é, inequivocamente, uma das duas maiores forças políticas no Brasil. A outra é o PT.

O bolsonarismo tem apoio de uma fração da burguesia brasileira. Mas o núcleo duro de sua base social são setores exasperados das camadas médias. Alcançou audiência, também, em franjas de trabalhadores. Este movimento responde à demanda de liderança forte face à corrupção; de comando diante do agravamento da crise da segurança pública; de ressentimento diante do aumento do peso dos impostos; de ruína de pequenos negócios diante da regressão econômica; de pauperização diante da inflação dos custos da educação, saúde e segurança privadas; de ordem diante das greves e manifestações; de autoridade diante dos conflitos da disputa de poder entre as instituições; de orgulho nacional diante da regressão econômica dos últimos quatro anos.

Até a presença de refugiados e imigrantes venezuelanos, haitianos, e bolivianos tem servido para alimentar fobias xenófobas. Responde, também, à nostalgia “romantizada” das duas décadas da ditadura militar, em especial, entre os militares e as polícias, onde Bolsonaro tem grande autoridade. Não fosse isso o bastante, conquistou visibilidade dando expressão ao ódio de ambientes sociais retrógados e arcaicos, especialmente entre algumas igrejas neopentecostais, à luta do feminismo, do movimento negro e LGBT, ou até dos ecologistas.

A extrema-direita chegou ao governo, e a ala neofascista está em luta pelo poder. Até agora suas iniciativas foram bloqueadas, mas não está derrotada. Nesta luta pelo poder ambiciona a subversão do regime, ou do equilíbrio de poder entre as instituições. A ofensiva pela reforma da previdência foi uma primeira etapa de um programa de contrarrevolução econômico-social que pretende garantir privatizações, reforma fiscal, e muito mais.

 

O perigo da subversão do regime democrático

É possível uma contrarrevolução social sem a destruição das liberdades? Devemos nos colocar esta dúvida de mente aberta. Ela é um problema teórico-histórico. Ainda não temos respostas. O que não diminui a importância da questão estratégica.

O projeto do governo Bolsonaro é destruir todas as conquistas das últimas três décadas. Eles dizem sem pudor que o custo da estabilidade do regime democrático ficou alto demais. Ficou caro demais. Salário mínimo, carteira assinada, aposentadoria, saúde pública e universal, universalidade crescente do acesso à educação, subsídios para o transporte publico, tudo teria ficado caro demais. Enfim, impostos altos demais. Não escondem a quem servem.

O que nos coloca diante, outra vez, da questão estratégica. Será possível levar adiante um programa de recolonização do Brasil, sem destruir as liberdades democráticas? Não sabemos a resposta. Mas é bom saber que, potencialmente, o perigo de uma contrarrevolução político-social está em disputa.

A eleição de Bolsonaro só foi possível depois de um processo ininterrupto de acumulação de derrotas que consolidou uma situação reacionária. Derrotas devem ser chamadas pelo que são. Aqueles que pensam que diminuir o significado das derrotas favorece as lutas futuras são mercadores de ilusões. O autoengano é um mundo de fantasia e alimenta, perigosamente, o pensamento mágico, e teorias da conspiração.

Claro que dizer que os trabalhadores e o povo foram derrotados porque nossos inimigos eram mais fortes e venceram, também, não explica nada. É um pensamento circular. Há responsabilidades. Na virada de 2015 para 2016 a maioria da burguesia rompeu com o governo Dilma Rousseff, e apoiou as mobilizações pelo impeachment. E o PT descobriu que não tinha mais força social entre os trabalhadores para resistir à ofensiva. Depois de treze anos de colaboração com o grande capital, até o limite absurdo de aceitar um ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nomeado pelo capital financeiro, o PT estava impotente. Os limites dramáticos da estratégia de um reformismo fraco, quase sem reformas se revelaram incontornáveis.

O projeto político do bolsonarismo é impor uma derrota histórica aos trabalhadores para levar até o fim seu projeto. Derrotas históricas são diferentes de derrotas eleitorais, ou derrotas político-sociais. Assim como ocorreram vitórias históricas – os triunfos de revoluções anticapitalistas – aconteceram, também, derrotas históricas, como foi o golpe no Brasil em 1964.

 

Não foi uma derrota histórica

Quando uma derrota histórica se precipita, toda uma geração perde a esperança de que a vida pode mudar através da mobilização política coletiva. Será necessário que uma nova geração alcance a vida adulta, e amadureça através da experiência da luta social. Uma derrota histórica estabelece uma relação de forças desfavorável na longa duração. Foi necessário o intervalo de uma geração para que a classe trabalhadora se colocasse de novo em movimento em 1978/79.

O bolsonarismo não poderia ser igual ao nazifascismo. O fascismo foi pra o marxismo muito mais que um nacionalismo exaltado. Essa foi a definição que o liberalismo fez do nazifascismo, não o marxismo. A retórica nacionalista da Grande Alemanha, o Terceiro Reich, era funcional para atrair a adesão na classe média arruinada, e em uma parte dos capitalistas. Mas o nazi-fascismo foi a forma política da contrarrevolução diante do perigo da revolução europeia, quando a existência da URSS inspirava a causa dos trabalhadores.

Todos os partidos fascistas defendiam a necessidade de um regime totalitário para impor uma derrota histórica sobre a classe trabalhadora como corolário de uma contrarrevolução permanente. A eliminação das liberdades democráticas dos regimes eleitorais era instrumental para destruir as organizações dos trabalhadores.

No entanto, o fascismo italiano não era igual ao nazismo alemão (com sua obsessão racista antissemita e eslavofóbica), ou ao franquismo espanhol (preservação formal da monarquia), e o salazarismo português (fanatismo católico). Mussolini, o Duce, tinha, também, suas peculiaridades de maníaco como a nostalgia simbólica do Império Romano. Movimentos fascistas em muitas outras nações, inclusive no Brasil, o integralismo, existiram no mesmo período histórico. Mas, apesar de suas nuances, todos merecem a qualificação de fascistas.

Acontece que não estamos em uma etapa semelhante aos anos trinta do século passado, depois da catástrofe da Primeira Guerra Mundial, da vitória da revolução russa, e da crise de 1929. Não estamos, desde a crise econômica mundial de 2008, diante dos “anos trinta em câmara lenta”.

O neofascismo em um país dependente como o Brasil não poderia ser igual ao fascismo de sociedades europeias dos anos trinta. Não há perigo de uma nova revolução de outubro. Embora o fantasma da Venezuela não tenha deixado de assombrar as neuroses políticas do bolsonarismo. Ele responde à experiência de setores da classe média, durante os treze anos de governos de colaboração de classes do PT, e à estagnação econômica e regressão social dos últimos quatro anos, a maior da história contemporânea.

O antipetismo dos últimos cinco anos é a forma brasileira de anticomunismo dos anos trinta. O bolsonarismo não foi a aposta do núcleo principal da burguesia, mas foi assimilado com um mal menor. Os modelos teóricos para classificar o neofascismo podem ser vários. Eis um esboço de dez critérios: (a) a origem social de seus líderes; (b) a trajetória do movimento; (c) a base social, e a dimensão eleitoral de sua audiência; (d) o que defende: sua ideologia ou programa; (e) o projeto político; (f) a posição diante do regime político, ou a relação que manteve com as instituições, com o Congresso e com as Forças Armadas; (g) a relação que manteve, respectivamente, com a classe dominante, e com a classe trabalhadora; (h)  que tipo de partido ou movimento é o seu instrumento de luta; (i) quais são as suas relações e apoios internacionais; (j) de onde vem o dinheiro ou quais são suas fontes de financiamento.

 

Dez critérios confirmam que Bolsonaro é um neofascista

Considerando estes dez critérios, podemos concluir que:

  1. A origem social de Bolsonaro é a pequena-burguesia plebeia. A procura de ascensão social rápida através de uma carreira de oficial no Exército, ou mesmo nas Polícias, não foi incomum, durante gerações, especialmente, entre euro-descendentes. Ela exigia um desempenho escolar inferior às carreiras de medicina, direito, engenharias nas Universidades Públicas (além de oferecer um soldo desde o início), e oferecia como recompensa estabilidade, e uma remuneração, comparativamente, muito mais elevada que a de um professor de educação física. Esta origem de classe explica algumas das obsessões de Bolsonaro: racismo rancoroso, misoginia paranoica, homofobia primitiva, ressentimento social, anticomunismo feroz, militarismo radical, nostalgia do mundo rural, antipatia pela ciência, fascínio pelo pensamento mágico, referências messiânicas religiosas, nacionalismo plebeu, deslumbramento pelo modo de consumo da classe média norte-americana, e aversão anti-intelectual.
  2. A trajetória de Bolsonaro, durante os últimos quarenta anos, foi a de um oficial insubordinado delirante, e de um deputado corporativista folclórico marginal no último degrau do “baixo clero” parlamentar junto ao “centrão”. O que distinguiu o bolsonarismo foi sempre a defesa incondicional da ditadura militar, em especial, dos métodos de terror contra o perigo de uma revolução socialista. Bolsonaro sempre foi medíocre, tosco, desaforado, boçal. Bolsonaro está presente na luta política há trinta anos, e acumulou seis mandatos de deputado federal, portanto, seu lugar na extrema-direita não foi um improviso.
  3. Mas não se pode compreender o papel, qualitativamente, diferente que ocupa hoje na presidência sem analisar a função da LavaJato, desde 2014, e a apropriação histórica da bandeira anticorrupção por setores da classe dominante. Frações da burguesia brasileira já usaram essa bandeira em suas lutas intestinas, em 1954, para derrubar Getúlio Vargas, em 1960, para eleger Jânio Quadros, em 1964, para legitimar o golpe militar, em 1989 para eleger Collor de Melo e, em 2016, para fundamentar o impeachment de Dilma Rousseff. Bolsonaro saiu da obscuridade nas mobilizações pelo impeachment, entre 2015/16, quando a exigência de intervenção militar ganhou audiência entre dezenas de milhares dos quatro milhões que saíram às ruas, em centenas cidades. O bolsonarismo expressa o repúdio de setores da classe média contra as conquistas sociais e democráticas da Constituição de 1988. Mas não pode ser desconsiderado o apoio da maioria da oficialidade das Forças Armadas e das Polícias Militares. E incorpora, também, uma base operária e popular através, sobretudo, da influência de uma parcela das Igrejas neopentecostais ultraconservadoras.
  4. O projeto político de Bolsonaro é um autogolpe para a instalação de um regime bonapartista. Desde março de 2020, quando o impacto da pandemia passou a ser devastador, este plano vem fracassando. Mas se Bolsonaro recuou, ainda não foi derrotado. Sua estratégia é a subversão do regime semipresidencialista híbrido estabelecido nos últimos trinta e cinco anos. Bonapartismo, derivado de Bonaparte, inspirado pelo modelo francês, significa um regime autoritário em que a presidência se eleva acima das outras instituições, como o Congresso e o Judiciário, e concentra poderes excepcionais, em nome da defesa da ordem. Essa é a importância do slogan “Brasil acima de tudo”. Há, historicamente, vários tipos de bonapartismo nos países periféricos. O projeto de Bolsonaro, apoiado na mobilização de um movimento de massas contrarrevolucionário, obedece ao plano de um regime autoritário que, dependendo das condições da luta político-social, poderia vir a adquirir formas semifascistas.
  5. As relações de Bolsonaro com as Forças Armadas e as polícias, e os choques permanentes com os Tribunais Superiores e Congresso, confirmam a tentação bonapartista. Bolsonaro não é um Trump tropical. Não é, tampouco, somente um líder autoritário, que poderia ser neutralizado, facilmente, pela pressão da classe dominante. Desde a posse do governo começou a aprovação de emendas na Constituição, como a reforma da previdência social, com pleno suporte do Exército. Avança e recua, mede as suas forças, provoca e negocia, mas não interrompe a ofensiva.
  6. Bolsonaro vem cultivando uma relação com a grande burguesia através da nomeação de Paulo Guedes como seu superministro da economia. O plano econômico apresentado é ultraliberal, com ênfase em privatizações indiscriminadas, choque fiscal brutal, e ataque frontal aos direitos dos trabalhadores. Sua estratégia é reposicionar o Brasil no mercado mundial ao lado dos EUA contra a China. Conta para isso com investimentos dos EUA no Brasil para sair da estagnação.
  7. Esta estratégia é coerente com os planos dos núcleos mais poderosos da burguesia, mas não pode ser aplicada sem que haja confronto social, porque não ocorreu, até agora, uma derrota histórica da classe trabalhadora brasileira. O que vivemos foi uma inversão desfavorável da relação social de forças: uma derrota político-social que abriu uma situação reacionária. Mas não estamos em situação contrarrevolucionária.
  8. Bolsonaro não se apoia ainda em um partido fascista de combate. Usou como instrumento eleitoral um partido de aluguel, que depois descartou. Mas esta debilidade orgânica foi compensada pela mobilização de um movimento político que mantém uma atividade nas redes sociais mais intensa do que a da esquerda. Ele poderá construir um partido a partir do controle do Estado.
  9. Subestimar Bolsonaro, ou a capacidade de sua corrente se articular no terreno internacional seria um grave erro. Existe uma Internacional de extrema direita sendo construída no mundo, a partir dos EUA, com Steve Bannon, com financiamento robusto de alguns grandes grupos econômicos, que respondem ao projeto de uma fração do capitalismo norte-americano de oferecer resistência à ascensão da China como potência protoimperialista.
  10. O financiamento do bolsonarismo permanece, essencialmente, obscuro. No entanto, a potência de sua presença nas redes sociais, de longe a maior do Brasil, sugere que há grupos empresariais seriamente engajados. Alguns destes grupos já são, amplamente, conhecidos e têm forte presença na FIESP.

Recordemos, por último, a metáfora da curvatura da vara utilizada por Lênin: quando a vara está muito inclinada numa direção, se queremos encontrar o ponto de equilíbrio, é preciso incliná-la, primeiro, até ao extremo oposto.

Nossa missão é derrotá-lo.

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