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Incodes: mapeando a discussão sobre criptografia no Brasil (1)

Ana Julia Bonzanini Bernardi (2), Maria Marinho (3), Diogo Rais (4), Camila Tsuzuki (5), Roberta Battisti (6), Giovana Guilhem (7) e Alinne Gomes (8)

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Resumo: O artigo abaixo busca retratar a pesquisa < In >Codes desenvolvida pelo Instituto Liberdade Digital, que teve como objetivo informar, engajar e fomentar uma comunidade e agenda comum sobre a discussão de criptografia e sua importância para a democracia e direitos fundamentais. Neste paper damos foco no processo de escuta empática que em um ano de projeto entrevistou 108 especialistas de diferentes áreas, resultando em aproximadamente e 102 horas de entrevista. O projeto foi conduzido com apoio do WhatsApp e mais informações podem ser encontradas no site do Instituto Liberdade Digital.

 

Palavras-chaves: Criptografia; Democracia; Direito digital,

 

Introdução

 

O <In>Codes foi concebido como um projeto para informar, engajar e fomentar uma comunidade e uma agenda em comum sobre criptografia. O tema é abrangente e presente em nossas atividades diárias e, ainda assim, pouco conhecido pelas pessoas, sendo debatido parcialmente em determinadas instâncias e setores da sociedade, como acontece entre especialistas, policy makers, empresas e jornalistas.

Diante da importância de “estar conectado” na sociedade moderna, vemos na criptografia um aliado (in)visível que nos permite uma conexão segura a esse mundo digital. Daí o nome <in>Codes ou códigos (in)visíveis, pelo menos, para a maioria da população brasileira.

Desde conceitos básicos de tecnologia até discussões complexas abrangendo direitos individuais e coletivos como privacidade, liberdade de expressão, segurança pública, o <in>Codes pretende trazer a criptografia ao debate, a partir de sua interface com 3 eixos: desinformação, segurança pública e economia. Traremos diferentes pessoas e organizações para este diálogo: aqueles que impactam, que são impactados e aqueles que não estão cientes de que participam deste processo. Entre eles, esperamos ouvir e compartilhar ideias com ativistas, jornalistas, promotores, advogados, juízes, fact-checkers, especialistas, pesquisadores, policiais/delegados/forças de segurança, empresas de segurança digital, big-techs, legisladores, entre outros.

Para isso, o projeto foi estruturado em 3 ciclos, cada qual com duração estimada de 15 semanas, tendo como tema: criptografia & desinformação, criptografia & segurança pública e criptografia & economia. E em cada um deles foram percorridas 4 fases, a saber:

Escuta empática, Dar a voz, Qualificar e Conectar.

Cada fase foi pensada para atingir objetivos específicos. A fase da escuta empática, como o próprio título sugere, foi uma fase de ouvir representantes de grupos relevantes para o debate da criptografia sobre os desafios e impactos de uma regulação sobre o exercício da liberdade de expressão, privacidade e segurança. Uma vez que foram identificados os desafios, na fase dar voz, foram criados espaços de debates para as diferentes perspectivas a respeito do tema fossem conhecidas pelos stakeholders e possíveis soluções fossem compartilhadas. Finalizada o diagnóstico sobre o cenário regulatório para a criptografia, o projeto se voltou para a produção de conteúdos de qualidade com o objetivo de reduzir a assimetria de informação entre os stakeholders e os demais membros da sociedade. Esse objetivo foi alcançado por meio do desenvolvimento de cursos online e de uma biblioteca dedicada ao tema. A partir das bases criadas ao longo do projeto, a última fase, conectar, buscou desenvolver um espaço para o debate qualificado sobre temas identificados como prioritários pelas pessoas ouvidas no projeto e para os quais o consenso ainda não foi atingido. As conexões fomentadas nesse processo permitiram a criação de um espaço de confiança e de identificação de interesses mútuos que podem servir de base, futuramente, para a criação de uma agenda comum permanente sobre a criptografia no Brasil.

Nesse paper, desenvolveremos com maior detalhe a fase de entrevistas empáticas realizadas dentre os três ciclos do Projeto Incodes. A seguir apresentamos a metodologia da entrevista empática, descrição da coleta e sistematização de dados, e principais resultados encontrados em cada ciclo.

 

Metodologia da Escuta Empática

O termo Empatia, da forma que utilizamos hoje, tem sua origem na palavra alemã Einfühlung, formada das palavras “ein” (em) e “Fühlung” (sentimento), traduzida como “sentir se como” (Pereira, 2012). O termo passou a ser utilizado na psicologia, quando foi traduzido para o inglês por Edward Tichner como empathy em 1909, buscando descrever como colocar-se no lugar do outro, centrando-se nas relações interpessoais (Arnett, Nakagawa,1983).

Na década de 1960, o conceito de empatia passou a integrar os estudos de comunicação, e foi apontada por David Berlo como “a habilidade de nos projetarmos nas personalidades de outras pessoas” (Arnett, Nakagawa,1983). No mesmo período, o psicoterapeuta Carl Rogers (1961), avançou no conceito de empatia como forma de escuta que busca se colocar no lugar do outro, sem perder a sua própria identidade. Desde então, e principalmente nos últimos anos, o uso da empatia foi além de seu contexto original de psicoterapia para ser usada como uma ferramenta de comunicação em diversas áreas tais como marketing, administração, enfermagem, design, etc (Leake, 2019).

O aumento do interesse público sobre o tema da empatia também faz muito sentido se pensarmos os tempos em que estamos vivendo. Em 2016, o dicionário de Oxford escolheu pós verdade como a palavra do ano, descrevendo-a como “referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais” (Oxford Living Dictionary, 2016). As fake news, a onda de desinformação e a deslegitimização da ciência ganharam espaço em uma sociedade altamente polarizada e desigual, que muitas vezes só entra em contato através do embate. Nesse contexto, a criptografia, por mais presente que esteja nas vidas de todos, é objeto de controvérsia e alvo de desinformação – grande parte da sociedade parece não compreender esse processo – mas muitos tem uma opinião formada, apesar disso. Nesse sentido, a empatia traz a esperança de que as pessoas possam aprender a se respeitar e se relacionar apesar das diferenças (Leake, 2019, p. 251).

De acordo com Leake (2019), a prática da empatia em pesquisas aplicadas se baseia em quatro pilares principais: 1) colocar-se na perspectiva do outro (perspective taking); 2) conhecimento do contexto e características culturais (cultural and contextual awareness); 3) comunicação, escuta e colaboração (communication, listening and collaboration) e 4) Reflexão sobre os papéis e empatia crítica (self-reflection and critical empathy).

A escuta empática se fundamenta nas ferramentas da Comunicação Não Violenta (CNV), que utilizada em um contexto de entrevista, permite que o entrevistado elabore sobre suas experiências, vivências e sentimentos, sem julgamentos ou ideias pré-concebidas por parte do entrevistador.

Desta forma, empregamos uma metodologia qualitativa, baseada em entrevistas semiestruturadas, fazendo uso de uma escuta empática e ativa, guiando-se para responder à pergunta: Qual a percepção que estes grupos têm sobre a criptografia no Brasil considerando seu conceito, seu papel, e seus impactos?

 

Inicialmente, foram mapeados 6 principais grupos que serão ouvidos, que chamaremos de grupos de diagnóstico:

  • Ativistas Políticos: aqui entendido como grupos cujas pautas têm colocado seus membros em risco, como ativistas ambientais[9], de direitos da comunidade LGBTQI+[10], e até mesmo acadêmicos e jornalistas que sofreram perseguição política no Brasil. O objetivo é compreender como tais grupos valorizam a criptografia em suas comunicações e o grau de relevância da proteção de suas mensagens para sua proteção.
  • Jornalistas e Fact-Checkers: incluídos neste grupo estão jornalistas, jornalistas investigativos e fact-checkers. O objetivo é verificar se estes atores avaliam a criptografia como meio para a proteção de fontes e se esta constitui um fator para a escolha de seus canais de comunicação.
  • Pesquisadores: este grupo é composto por pesquisadores que atuam em áreas de conhecimento cuja intersecção com o tema do ciclo estudado seja relevante à pesquisa, incluído, mas não limitado à área eleitoral, ciência política, direito digital, tecnologia ou economia.
  • Enforcement na área de Segurança Pública/ Privada: estão incluídos neste grupo pessoas que atuem na polícia civil e federal, ABIN, exército, núcleo de inteligência dos tribunais, entre outros.
  • Servidores públicos que atuam na área de implementação do Governo Digital: estão incluídos neste grupo aqueles que participam ou tenham participado da implementação do governo digital no país, seja na esfera do poder executivo, legislativo ou judiciário.
  • Jurídico: composto por promotores, advogados, juízes, associações que representam a categoria
  • Políticos: composto por membros do legislativo nas esferas federal, estadual ou municipal.
  • Empresas de Tecnologia: composto por empresas que utilizam a criptografia como parte relevante do produto/serviço oferecido a seus clientes. Exemplos: WhatsApp, Telegram, Signal
  • Grupo Sociedade/ Influencers: pessoas que utilizam a tecnologia no dia-a-dia, seja trabalhando com ela diretamente ou não.

 

Figura 1 – Representação da Metodologia utilizada

Fonte: Incodes, 2021.

 

A seguir abordaremos especificamente cada um dos três ciclos temáticos, passando posteriormente para considerações iniciais.

 

  1. Ciclo de desinformação

 

Com o objetivo de compreender a existência de uma conexão entre a desinformação e a criptografia, em especial no que concerne medidas de rastreabilidade das comunicações, como as propostas no projeto de lei 2.630, esta fase compreendeu:

219 profissionais mapeados

173 selecionados para entrevista

38 efetivamente entrevistados

37 horas de entrevistas (aproximadamente)

Profissionais da área jurídica, políticos, ativistas, influenciadores, forças de segurança pública, especialistas em criptografia, jornalistas e pesquisadores da área.

No que se refere à relação entre criptografia e desinformação, não há consenso entre os entrevistados sobre essa associação. E mesmo para aqueles que identificam uma associação, há o entendimento de que tal relação é superficial e não seria um fator determinante para a disseminação de desinformação. Alguns entrevistados fazem a associação entre criptografia, Whatsapp e desinformação. Nesse caso, se entende que poderia haver uma dificuldade no combate à desinformação pela impossibilidade de moderação do conteúdo, mas se defende que essa não é a causa do processo de desinformação.

A educação midiática e o desenvolvimento de senso crítico foram as medidas mais citadas entre os entrevistados e, curiosamente, foram apresentadas de formas e com abordagens distintas no que se refere ao público-alvo, conteúdo e ferramentas. Para um grupo, o foco das campanhas educativas deveria estar nas pessoas acima de 65 anos, por acreditarem que estas não se dão conta da responsabilidade em disseminar conteúdo não verificado. Outros citam a necessidade de educação dos jovens para que estes estejam preparados para lidar com ferramentas da economia da atenção. Quanto às temáticas, cita-se educação política como ponto-chave, desmistificando-se a ideia bastante arraigada na sociedade de que não se debate política e futebol no Brasil. Alguns entrevistados entendem que a estratégia de educação deve focar não no tema, mas nas ferramentas para construção de um diálogo construtivo e no senso crítico dos indivíduos.

Dos dados coletados se conclui que as ações em favor da qualificação do debate e da conexão entre os setores que impactam e são impactados pelo processo de desinformação passam pelo desenvolvimento de conteúdos precisos que evidenciem: o que é criptografia, suas modalidades, aplicabilidades e limitações, diferentes posicionamentos sobre o tipo e função de uma possível resposta legislativa para o problema da desinformação, cursos que fomentem o senso crítico e a capacitação das pessoas para o diálogo construtivo no ambiente digital e o esclarecimento sobre os espaços de colaboração entre plataformas e setor público.

 

  1. Ciclo de Segurança Pública

 

Nesse ciclo buscamos abordar as relações entre criptografia e segurança pública. Por se tratar de um tema mais consolidado e presente no dia a dia, buscamos realizar a escuta empática centrando em alguns debates atuais, sendo estes: 1) democratização da criptografia e educação digital, 2) governo digital e proteção de dados 3) backdoor e acesso excepcional, e por fim 4) o futuro da criptografia.

Até 02 de agosto de 2021, foram mapeadas 265 pessoas e organizações, que compuseram um banco de dados em que foram identificados: grupo de diagnóstico a que pertencem, gênero, região, ocupação, formação e experiência. Para este projeto, procuramos compor o mapeamento a partir de critérios de diversidade de gênero, raça e região. Deste mapeamento, 78 foram selecionados para o ciclo de segurança pública para participar da entrevista empática e 42 deles efetivamente entrevistados dentro deste segundo ciclo.

O processo de escuta empática foi realizado por meio de entrevistas individuais no zoom entre março e julho de 2021, a partir de roteiro pré-estruturado conforme os eixos de discussão determinados. A seleção dos entrevistados foi realizada levando em conta o conhecimento na temática de segurança pública e (ou) de criptografia e novas tecnologias, sendo uma amostra não aleatória, totalizados 42 entrevistados em, aproximadamente, 37 horas de entrevistas. Para analisá-las, anonimizando todos os respondentes, fizemos uso do software Nvivo.

Tendo em vista o estudo prévio realizado sobre a temática, os entrevistados selecionados foram escolhidos pelo grau de relevância em suas respectivas áreas de atuação, dentro dos seguintes grupos de diagnóstico: ativistas, empresas de cibersegurança, especialistas em tecnologia, forças de segurança, GovTech (Governo Digital), jornalistas, justiça, pesquisadores, políticos, sociedade e universidades. A partir da escuta empática, traçamos algumas considerações sobre a temática:

Os entrevistados reconhecem a presença e importância da criptografia de ponta-a-ponta em seu dia a dia, com a internet banking, PIX ou aplicativos de mensageria privada, mas a ampliação do acesso não foi acompanhada pela democratização do conhecimento sobre a tecnologia, ainda permeada pela tecnicidade.

Assim, ressalvam que a sociedade brasileira, ainda guarda resquícios de uma cultura “cartorária”, tem desenvolvido uma incipiente, mas essencial cultura de privacidade e proteção de dados, que exige para sua evolução não somente a educação digital em temas como a criptografia e sua importância, segurança digital e proteção de dados, mas sobretudo de investimentos no acesso da população à internet e à informação;

Nestes termos, os investimentos na disponibilização de serviços públicos digitais têm contribuído na transformação digital da sociedade brasileira, mas a falta de um plano de Estado, de investimentos contínuos e a desigualdade no nível de segurança, recursos e importância dada à segurança cibernética nas três esferas federativas torna os serviços públicos vulneráveis e comprometem a confiabilidade das instituições públicas.

Em termos de legislação existente, regulações como o Marco Civil da Internet, a Lei de Acesso à Informação ou a Lei Geral de Proteção de Dados são consideradas relevantes para o ambiente digital brasileiro, mas entrevistados apontam que os cidadãos não as conhecem e são incapazes de cobrar sua aplicação ou seus direitos.

Em relação ao uso de “backdoors”, ou o chamado acesso excepcional, 65% dos entrevistados são desfavoráveis à sua legalização para fins de investigação policial, compreendendo os riscos à sua privacidade e segurança digital. Mas entre os 35% que se mostraram favoráveis ou favoráveis com ressalvas ao emprego de backdoors, subsiste a retórica “quem não deve, não teme” ou que os ganhos em segurança pública compensam a invasão na privacidade.

Ao passo que as Plataformas digitais são consideradas essenciais para a segurança da informação, ecossistema digital e tem agido em proteção à privacidade de seus usuários. Entrevistados reconhecem a relevância de seu envolvimento nos debates sobre segurança pública, não só em termos de construção das regulações estatais, mas sobretudo em termos de transparência e accountability, sendo chamadas a cooperarem de forma mais ativa em investigações policiais e requisições judiciais;

Por fim, visões sobre o futuro da criptografia envolvem desde a previsão de uma terceira Guerra Mundial no campo da cibernética, o desenvolvimento da computação quântica, o aspecto vigilantista do monopólio de dados exercido pelo governo, ao papel da criptografia, e mais precisamente do blockchain, na prestação de serviços públicos aos cidadãos.

 

  1. Ciclo de economia

 

Nesse ciclo buscamos abordar as relações entre criptografia e segurança pública. Por se tratar de um tema mais consolidado e presente no dia a dia, buscamos realizar a escuta empática centrando em alguns debates atuais, sendo estes: 1) relações entre criptografia e economia, 2) Mercado para Criptomoeda no Brasil 3) Temas relevantes para a área e conceitos que precisam ser esclarecidos, e por fim 4) o futuro das criptomoedas e o potencial disruptivo do Blockchain.

O mapeamento para este ciclo começou em 04 de setembro, sendo mapeadas 177 pessoas, compondo um banco de dados em que foram identificados: grupo de diagnóstico a que pertencem, gênero, região, ocupação, formação e experiência. Para este projeto, procuramos compor o mapeamento a partir de critérios de diversidade de gênero, raça e região. Deste mapeamento, 154 foram selecionados para o ciclo de economia para participar da entrevista empática e 28 delas efetivamente entrevistados dentro deste terceiro ciclo.

O processo de escuta empática foi realizado por meio de entrevistas individuais no zoom entre setembro e dezembro de 2021, a partir de roteiro pré-estruturado conforme os eixos de discussão determinados. A seleção dos entrevistados foi realizada levando em conta o conhecimento na temática de criptomoedas e (ou) de criptografia e novas tecnologias, sendo uma amostra não aleatória, totalizados 28 entrevistados em, aproximadamente, 16 horas de entrevistas. Para analisá-las, anonimizando todos os respondentes, fizemos uso do software Nvivo.

Tendo em vista o estudo prévio realizado sobre a temática, os entrevistados selecionados foram escolhidos pelo grau de relevância em suas respectivas áreas de atuação, dentro dos seguintes grupos de diagnóstico: especialistas e empresas da área de criptomoedas, Governo (ligado a instituições financeiras), jornalistas, justiça, pesquisadores, políticos e sociedade.

Embora, no presente momento (10/12/2021) as entrevistas ainda estejam em análise, já podemos apontar alguns direcionamentos gerais.

 

  • Dentre os entrevistados 75% utilizam criptomoedas
  • O maior valor associado a criptografia é o de privacidade (citado por 30% dos entrevistados), e o segundo confiança (11%)
  • Cerca de 80% dos entrevistados vê o mercado de criptomoedas como crescente
  • Cerca de 50% acreditam que o nível de regulação do mercado brasileiro é baixo e 25% apontam como medianamente regulável.

Os resultados iniciais confirmam o elevado grau de conhecimento do tema dos entrevistados selecionados para a entrevista, ou seja, pessoas que não apenas detém conhecimento técnico como também prático sobre o tema. A privacidade é o valor mais associado ao uso da criptografia seguido da confiança, ambos confirmam a importância de dois elementos mais valorizados em uma sociedade de hipervigilância e o papel da criptografia como ferramenta para concretização da confiança entre as trocas digitais e a privacidade do usuário da internet. O mercado de criptomoedas é avaliado de maneira positiva no que se refere ao seu potencial de crescimento, avaliação essa coerente com o dado coleta de que 75% dos entrevistados fazem uso de criptomoedas.

A avaliação do nível de regulação do mercado brasileiro de criptomoedas é considerado baixo pela metade dos entrevistados. Esse dado não levar a conclusão ainda se esse fator deve ser considerado como positivo ou negativo. Por vezes, o uso de sistemas além da regulação por meio de leis ou atos de outra natureza pelo Estado pode ter efeitos positivos para o desenvolvimento de um setor em sua fase de expansão.

 

  1. Considerações iniciais

 

Além de apresentar o projeto Incodes, esse artigo objetivou apresentar a metodologia utilizada na primeira fase do projeto: escuta empática. Nossa avaliação é positiva quanto à eficiência do método para a coleta do tipo de dado almejado para o projeto. A identificação de percepções de representantes de grupos relevantes para o tratamento de um tema ainda pouco regulado necessita da criação de um espaço de confiança e de escuta ativa. A confiança foi alcançada pela apresentação clara dos objetivos do projeto, a certeza da anonimização dos dados, pela forma como as questões foram apresentadas e pela estratégia de abordagem de cada um dos entrevistados. As pessoas ouvidas no projeto foram, em sua grande parte, indicadas por outras pessoas conhecidas no setor, o que permitiu a validação por alguém do círculo de confiança dos entrevistados a respeito do grau de seriedade do projeto e da instituição que o executou. A criação do espaço de confiança e o formato dos questionários, levou os entrevistados a se sentirem mais confortáveis para construírem inferências, revelarem dúvidas que ainda tinham sobre o tema, apresentarem pontos que avaliaram como prioritários sem o risco de, posteriormente, terem um comentário, feito em um momento de indefinição do mercado, exposto como equivocado e utilizado por outros para descreditar suas futuras avaliações.

O número de horas de cada entrevista é um forte indicador sobre essa sensação de conforto com a realização da escuta empática, coletamos cerca de 102 horas em 108 entrevistas. O conteúdo coletado também demonstrou elevado grau de acurácia para a determinação dos pontos que deveriam ser considerados como prioritários para as demais fases do projeto, o que nos permite concluir pela eficiência dos procedimentos de coleta adotados no projeto Incodes.

Como achado comum nos ciclos de entrevistas sobre a relação entre criptografia,  desinformação, segurança e economia destacamos o elevado grau de assimetria de informação sobre o criptografia na sociedade brasileira, inclusive entre àqueles que têm competência para estabelecer regras sobre o assunto e seus pares, o que sugere que a cooperação entre os diferentes setores envolvidos com o tratamento da criptografia no Brasil deve ser aperfeiçoado. A solução mais citada em todos os três ciclos para melhoria do ambiente regulatório-institucional pode ser resumida em um tipo de ação:  promoção de conteúdos que traduzam temas hoje ainda considerados muito técnicos para a sociedade a fim de que esta possa compreender os tradeoffs envolvidos na regulação de ferramentas criptográficas no Brasil.

 


Referências Bibliográficas

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ROSENBERG, Marshall (2006). Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.

 


[1] O conteúdo compartilhado por meio desse artigo foi extraído em parte dos relatórios desenvolvidos ao longo do projeto Incodes de autoria do Instituto Liberdade Digital. Para saber mais, acesse: http://www.institutoliberdadedigital.com.br/site/2020/05/incodes/

[2] Pesquisadora do ILD. Doutora em Ciência política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),onde também é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa sobre América Latina (NUPESAL-UFRGS). E-mail para contato: anajuliabbernardi@hotmail.com

[3] Diretora de Conteúdo do ILD. Doutora em Direito pela Universidade de Paris.  É advogada, professora e coordenadora dos cursos de Educacão Continuada do Direito no Mackenzie E-mail: mariaedelvacy@gmail.com

[4] Diretor Geral do ILD. É consultor jurídico em Direito Eleitoral & Tecnologia e professor de Direito Eleitoral no Mackenzie e da pós-graduação em Direito na FGV. É doutor em Direito do Estado pela PUC-SP. E-mail para contato: diogoraisrm@gmail.com

[5] Pesquisadora no ILD. Mestranda em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com especialização em direito eleitoral. E-mail para contato: cah.akemi@gmail.com

[6] Pesquisadora no ILD. Mestranda em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail para contato: rbattistip@gmail.com

[7] Pesquisadora no ILD. Bacharel em Geografia pela Universidade São Paulo (USP), graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) onde também é pesquisadora do Laboratório de Direito Digital e Democracia. E-mail: giovannaguilhemaraujo@gmail.com

[8] Pesquisadora no ILD e advogada na Diogo Rais Consultoria Jurídica, formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie E-mail: alinne.lopes@institutoliberdadedigital.com.br

[9] Em relatório, a Global Witness classificou o Brasil como terceiro país do mundo onde mais se matou ativistas ambientais em 2019: 24 ativistas assassinados em função de seu trabalho, sendo que destes 10 eram indígenas.

[10] A Associação Nacional de Travestis e Transexuais –ANTRA- reportou em seu relatório do ano de 2019 que 99% das pessoas LGBTQ não se sentem seguras no Brasil, 11 pessoas trans foram agredidas por dia no país e 124 pessoas foram assassinadas

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