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Ativismo digital e democracia nas redes: atuação dos “internautas” na CPI da Covid

Tesoureiros do Jair

Perfil anônimo que acompanha e combate o bolsonarismo nas redes. Organizou um grupo de voluntários que contribuíram com os senadores na CPI da Covid

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A CPI da Covid difere muito de outras CPIs que já ocorreram no país. Ela surgiu para investigar crimes contra a saúde pública ocorridos em plena luz do dia. Como testemunhas, toda a população brasileira. Como vítimas, idem. O maior desafio dos senadores, logo no início, não era encontrar provas e indícios dos crimes ocorridos, pois estes já eram abundantes. Era rememorar, de forma cronológica e sistemática, cada passo que nos levou às 600 mil mortes (e contando). Esta tarefa não é nada fácil num governo que consegue produzir uma nova crise a cada semana.

Mas, como já dito, a CPI da Covid difere muito de outras CPIs que já ocorreram no país. Esta, de forma inédita, abriu espaço para a participação popular. Através das redes sociais, nós, cidadãos, enviamos informações, vídeos, imagens, perguntas, denúncias e outros dados que se mostraram valiosos nos depoimentos. Acompanhamos as oitivas e, pelas redes sociais, mostramos contradições e mentiras dos depoentes que, por diversas vezes, foram apontadas em tempo real pelos senadores durante as sessões. A “participação dos internautas”, que inicialmente foi até vista de forma cética por parte da mídia tradicional, foi reconhecida pelos membros da CPI, que, por diversas vezes, mostraram-se satisfeitos com a contribuição dessa parcela da sociedade.

Tive a oportunidade de participar ativamente desse processo. Este é um breve relato de como isso aconteceu.

Em 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, criei um perfil anônimo no Twitter, o Tesoureiros do Jair. Meu objetivo era comentar sobre política sem me expor publicamente ou a meus familiares. A princípio, não tinha pretensão alguma em causar qualquer tipo de impacto no governo ou na sociedade. Me limitava a comentários irônicos, bem humorados.

Porém, já em janeiro de 2019, uma pessoa que seguia o perfil me procurou para falar sobre uma denúncia que tentava passar para jornalistas. Ela fazia parte do INES, o Instituto Nacional de Educação de Surdos, e relatou que vídeos com temáticas de esquerda ou viés progressista estavam sendo censurados no site. Achei curioso, afinal, menos de um mês antes, a primeira dama fez um discurso em libras durante a posse do presidente. Decidi averiguar, e confirmei o que a pessoa relatou. Encontrei links antigos para os vídeos que não funcionavam mais. Coletei mais algumas informações com a pessoa e postei um fio contando essa história em meu perfil no Twitter. A postagem viralizou e, alguns dias depois, a notícia ganhou os principais veículos de mídia do país. Pouco depois, o Ministério da Educação lançou uma nota sobre o assunto onde basicamente dizia que o jornalista que deu a matéria, Ancelmo Góis, seria um agente infiltrado da KGB, ou qualquer coisa do tipo. Sobre a denúncia, se limitou a dizer que quem apagou os vídeos foi o governo Michel Temer. Apresentei provas de que os vídeos estavam disponíveis ainda durante o governo Bolsonaro em meu perfil no Twitter, e, pouco depois, a notícia de que a declaração do Ministério da Educação era mentirosa ganhou as redes e o MEC apagou a postagem.

Acompanhei tudo aquilo atônito. Uma apuração feita por mim repercutiu em grandes veículos da mídia tradicional e fez o Ministério da Educação soltar uma nota prestando esclarecimentos, e ser desmentido na sequência. Até aquele momento, eu era apenas um cidadão que reclamava do governo na internet. A partir dali me dei conta que, através das redes sociais, eu tinha a oportunidade de participar ativamente do debate político nacional. A ocasião possibilitou que eu começasse a me aproximar de ativistas, produtores de conteúdo, políticos e jornalistas de grandes veículos de mídia.

O caso relatado é um exemplo prático do impacto positivo que as redes sociais podem ter na política. E, assim como eu, diversos outros usuários têm desempenhado um papel relevante no debate político nas redes. Um dos motivos para isso é que boa parte do que é hoje o bolsonarismo passa pela atuação do presidente, sua base e seus apoiadores nas redes sociais. E, neste contexto, o Twitter virou um campo de batalha de uma guerra cultural imaginária que o bolsonarismo nos obriga a combater.

Daí, talvez, a importância cada vez maior da atuação de militantes progressistas nas redes. Quem acompanha de perto os perfis sociais do governo, seus membros e seus apoiadores vê boa parte das engrenagens que movem o bolsonarismo funcionando. Para responder à pergunta “como chegamos aqui”, é necessário entender a importância de cada uma dessas engrenagens. Alguns jornalistas têm feito isso de forma louvável, mas, atualmente, pouca gente conhece tão bem todos os personagens que representam o que é o bolsonarismo quanto quem os acompanha diariamente nas redes sociais.

Este acompanhamento permite, por exemplo, antecipar as mentiras que o presidente, ministros e perfis institucionais veiculam e desmentí-los no ato. Mais frequentemente do que gostaríamos, a fonte de informação do presidente são justamente sites conhecidos por espalhar desinformação. O mesmo ocorre com a Secom, que virou um instrumento de propaganda e promoção pessoal do presidente. O órgão, que deveria servir ao estado, se transformou num panfleto que repercute narrativas que poderiam ser confundidas com matérias de blogs bolsonaristas (por vezes são diretamente inspiradas neles) e veicula campanhas com informações comprovadamente falsas. Não por acaso, já virou lugar comum a Secom deletar as campanhas após nós, usuários de redes sociais, apontarmos os erros grosseiros que cometeram.

Por estes e outros motivos nós, que fazemos nossa militância virtual, acabamos preenchendo um espaço no combate ao bolsonarismo que o jornalismo tradicional, por diversos motivos, não preenche, seja porque não há como estes veículos desmentirem toda e qualquer mentira que todos os membros do governo e seus apoiadores veiculam, seja pela demora entre a aprovação, elaboração e revisão de um texto para veiculação nas redes. Por muitas vezes, uma informação falsa precisa ser desmentida no ato. E as redes sociais cumprem muito bem este papel.

É o que tenho feito desde então. E durante este tempo acompanhando a política nas redes, me impressionava a velocidade como novas crises eram geradas e as antigas eram simplesmente esquecidas. Por este motivo, passei a catalogar, através de postagens nas redes sociais e num arquivo pessoal, informações que julgava que seriam relevantes no futuro. Fiz disso um hábito, que mantive durante toda a pandemia, mesmo sem saber ao certo como estas informações seriam utilizadas posteriormente. Um blog, talvez. Da mesma forma, outros usuários faziam o mesmo. O resultado disso é que, chegada a CPI da Covid, tínhamos em nosso histórico de postagens e em nossos arquivos pessoais um acervo considerável de ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia.

Tínhamos bastante material e uma memória muito viva de tudo que havia acontecido. Porém, faltava-nos a oportunidade de colaborar. Situação semelhante ocorreu na CPMI das Fake News, que acabou tendo, até então, um resultado bem abaixo do que seria possível, pois boa parte dos parlamentares sequer tinham noção do que os depoentes faziam ou por que estavam sendo inquiridos.

Com a CPI da Covid foi diferente. Desde o início dos trabalhos, os senadores se mostraram abertos à colaboração dos cidadãos nas redes sociais. A partir daí, decidimos nos organizar. Criamos grupos de voluntários contendo jornalistas independentes, pesquisadores, produtores de conteúdo e, em grande número, cidadãos comuns que nunca tiveram notoriedade nas redes. Ao todo, estes grupos que ajudei a criar e organizar chegaram a somar mais de 200 pessoas.

A cada novo depoimento, estes grupos coletavam informações que eram então consolidadas em relatórios e encaminhadas às equipes dos senadores. Tudo feito de forma voluntária, com base em documentos públicos disponíveis na internet ou enviados à CPI. Passamos a construir linhas do tempo que encadeavam fatos, analisar matérias da imprensa, documentos, recuperar vídeos e postagens relevantes (algumas delas já deletadas) e, assim, munir os senadores com informações para os depoimentos e jornalistas com material que era publicado na imprensa. O uso da carta-fiança do Fib Bank na compra da Covaxin, por exemplo, foi um achado de um voluntário, que repassou as informações a jornalistas e equipes dos senadores. Também por causa de nossos levantamentos, a CPI decidiu investigar o uso da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) para realizar seminários que falavam contra o uso de máscaras, isolamento social e a favor do tratamento precoce. O então presidente da FUNAG, olavista convicto, acabou sendo demitido depois disso.

Percebendo que tínhamos a atenção de membros da CPI, usuários das redes sociais e até jornalistas da mídia tradicional passaram a nos encaminhar informações valiosas. Estas informações eram repassadas aos senadores no Twitter ou a assessores com os quais tivemos a oportunidade de manter contato.

Mantivemos essa rotina de trabalho voluntário durante toda a CPI. Passamos a acompanhar as sessões e, em tempo real, apontar contradições e mentiras dos depoentes. Muitas vezes era tarefa fácil, pois após passarmos meses acompanhando aquelas pessoas nas redes, era possível traçar um perfil de seus posicionamentos. Da mesma forma, usuários nas redes sociais apontavam estas informações enquanto as sessões ocorriam. Em pouco tempo, a informação chegava aos senadores, que acompanhavam as redes enquanto a sessão acontecia. Foi o que ocorreu no dia do depoimento do Fábio Wajngarten, que foi desmentido ao vivo sobre a campanha O Brasil Não Pode Parar, por exemplo.

Como já dito neste texto, por muitas vezes, uma informação falsa precisa ser desmentida no ato. Este era o caso da CPI da Covid. E as redes sociais, por sua vez, cumpriram muito bem este papel. Pode-se dizer que houve um consciente coletivo atuando em conjunto e colaborando com os senadores da comissão. Fiquei sabendo, depois, que havia um nome para isso: Crowdsourcing.

A CPI da Covid se aproxima do seu fim, e deixa um legado inquestionável à população. Acelerou a compra de vacinas, freou, de certo modo, a retórica negacionista do Ministério da Saúde e descobriu esquemas de corrupção que de outra forma dificilmente viriam a público. Adicionalmente, reaproximou a população da classe política, servindo de exemplo vivo do que é uma democracia participativa. A CPI da Covid deixa, assim, sua marca na população brasileira. E a população brasileira deixa sua marca na CPI da Covid.

Referências: (Notícias que citam a nossa participação na CPI)

 

  1. https://www.nucleo.jor.br/reportagem/2021-05-20-cpi-pandemia-grupos-redes/
  2. http://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/346628/cpi-da-covid-ganha-ajuda-das-redes-sociais-nos-tra.htm
  3. https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/nos-bastidores-da-cpi-da-covid-perfis-de-oposicao-ganham-espaco-na-internet-ao-ajudar-senadores-em-depoimentos.html
  4. https://www.metropoles.com/brasil/perfis-contra-bolsonaro-no-twitter-pautam-senadores-na-cpi-da-covid
  5. Charge da folha referente à nossa colaboração na CPI:
    https://twitter.com/folha/status/1400064654878003200

 

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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