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A tributação da Terra e o direito a uma economia justa

Fátima Gondim

Auditora-fiscal da Receita Federal do Brasil aposentada, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Justiça Fiscal

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Introdução

Falar em uma economia justa é pensar em um sistema capaz de reduzir as desigualdades. Relações econômicas que se organizem visando o bem viver da sociedade e sua continuidade. Uma economia que se desenvolva para o bem estar de todos.

Falar em questões fundiárias no Brasil é falar em desigualdade e violência, que resultam da forma injusta como o a economia se organizou no país, impedindo o acesso à terra àqueles que dependem dela para sobreviver.

O acesso à terra e a desconcentração fundiária são reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) como condição importante para erradicar a pobreza. Condição fundamental para que direitos humanos como alimentação e moradia sejam obtidos.

No entanto no Brasil a concentração fundiária se expande mesmo depois de implementados importantes avanços na criação de novos projetos de assentamentos de reforma agrária, criação de unidades de conservação, demarcação de terras indígenas e titulação de territórios quilombolas. O Censo agropecuário de 2017 aponta que quase a metade (47%) de toda área agrícola do país é ocupada por apenas 1% das propriedades brasileiras.  Enquanto a concentração fundiária brasileira se agrava crescem juntos a violência no campo e a desigualdade social.[1]

A luta pela reforma agrária no Brasil desembocou na criação do Estatuto da Terra e na instituição do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) visando ter um instrumento fiscal capaz de desestimular o uso inadequado do solo e assim garantir que a terra cumprisse sua função social.

Este artigo pretende mostrar que a justa tributação no campo pode ser um indutor da democratização do acesso à terra no campo. Dito de outra forma: o ITR tem potencial para reduzir a concentração fundiária, apoiar a preservação ambiental e ser um impulsionador do desenvolvimento social e econômico visando solidariamente o bem comum.

Para tratar do tema desigualdade x tributação da terra faremos um entrelaçamento entre política e economia nos primórdios de nossa constituição enquanto sociedade civil.

 

  • Liberais na imaginação e escravocratas na realidade

Para entender porque chegamos ao patamar de desigualdade brasileira é preciso entrelaçar política e economia, passando por clássico da ciência política como Rosseau e nossa história escravocrata.

Quem fez essa inusitada conexão foi Caio Prado Jr em sua obra Evolução Política do Brasil [2]. Nossa classe dominante, a despeito de ser escravocrata, admirava o liberalismo e se esforçou ao máximo para se inserir nas ideias liberais europeias, sobretudo na ideia de Rosseau do Contrato Social.

Acreditava o filósofo suiço que seria preciso instituir a justiça e a paz para submeter igualmente o poderoso e o fraco, buscando a concórdia eterna entre as pessoas que viviam em sociedade. Imaginem essa ideia sendo disseminada muito antes da revolução francesa. Mesmo com ideias tão revolucionarias, o autor era admirado pela classe dominante brasileira.

Rousseau dizia que era possível estabelecer a soberania da sociedade por meio da vontade geral, pelo povo. Inevitável a pergunta: onde entraria a vontade do escravo? Caio Prado responde: no projeto de lei da Constituição de 1823, a qual, em seu art. 265 constava: “A Constituição reconhece os contratos entre os senhores e escravos, o governo vigiará sobre sua manutenção”.

Parece uma anedota, mas não é, trata-se de nossa história. Pouco importava que liberdade e mão de obra escrava fossem diametralmente conflitantes, o que importava era estar em consonância com os ideais em voga.

Continuemos com Rosseau e sua reflexão sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.  Rousseau alertava que, sem um mínimo de igualdade social, a liberdade civil seria impossível. Para Rousseau, o homem nasce naturalmente bom. Os homens, quando viviam no Estado de natureza, eram felizes, livres e iguais em direitos porque a propriedade não existia. A desigualdade surgiu quando:

“o primeiro que cercou um terreno, advertindo: ‘Este é meu’, e encontrando gente muito simples que acreditou, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que (…) tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Não escutem este impostor; vocês estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos, que a terra não é de ninguém’” (Rousseau, 1991 [1755], p. 106[3]).

Bela reflexão: a terra não é de ninguém. Mas, entre a filosofia e o caminhar da humanidade, há uma enorme separação.

Feita essa digressão, vamos entender como se constituiu no Brasil a regulamentação da terra. A lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, conhecida como A lei de terras, tinha como finalidade o legislar sobre as formas de aquisição de terras devolutas no Brasil. Seus efeitos são vistos até hoje, já que foi essa lei que possibilitou a concentração de terras.

O ano de criação da lei de terras coincide com a da lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico negreiro. Esta última possibilitou o uso da mão de obra assalariada dos imigrantes italianos, alemães, espanhóis.

Ocorre que, se por um lado a lei possibilitava a aquisição de terras para todos os cidadãos, inclusive escravos alforriados e imigrantes, por outro lado havia a miséria dos que não podiam comprar.

Os únicos que conseguiram adquirir as terras devolutas eram os membros da classe dominante, enquanto os cidadãos assalariados conseguiriam, no máximo, tornar-se um pequeno ou médio proprietário.

Segundo o Professor de História pela Universidade Federal de São Carlos, Vitor Amorim de Ângelo, grande parte das sesmarias e das posses não foi legalizada; as terras do Império continuaram a ser ocupadas de forma ilegal e sistemática; boa parte das propriedades nunca foi medida nem demarcada; as multas, quando aplicadas, poucas vezes foram pagas (Angelo, 2007)[4].

Portanto, a Lei da Terra é parte seminal de nossa história de exclusão social. Itamar Vieira Jr. em uma passagem de seu livro Torto Arado[5] mostra bem o que isso representou na vida dos brasileiros que dependiam da terra para sobreviver:

… chegou o branco colonizador e recebeu dádiva do reino. Chegou outro homem branco com nome e sobrenome e foram dividindo tudo entre eles. Os índios foram sendo afastados, mortos ou obrigados a trabalhar para esses donos da terra. Depois chegaram os negros, de muito longe, para trabalhar no lugar dos indíos. Nosso povo, que não sabia o caminho de volta para sua terra, foi ficando. Quando as fazendas foram deixando de produzir porque os donos já estavam velhos e os filhos já não se interessavam pelo trabalho da roça, porque ganhavam muito mais dinheiro como doutores na cidade, e nos procuravam cercando terras pelas extremidades da fazenda, dizíamos que éramos índios. Porque sabíamos que, mesmo que não fosse respeitada, havia lei que proibia tirar terra de índio. E também porque eles se misturam conosco, indo e voltando de seu canto, perdidos de suas aldeias”. (p.176/177)

 

2 – O direito a terra como um direito humano

O papel de lutar pelo acesso à terra no Brasil coube historicamente aos movimentos sociais camponeses, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais que durante a década de 70 contou com o importante apoio da Igreja Católica progressista, por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

A conexão entre a luta pela terra e os direitos humanos foi construída no Brasil a partir da reação violenta do Estado autoritário contra os camponeses no Brasil quando os conflitos rurais passaram a ser identificados como atentados aos direitos humanos. Ao longo dos anos 80 a violência no campo, denunciada sobretudo pela CPT e pelo Cimi, atraiu a atenção de grupos transnacionais, tais como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

A proposta de reforma agrária desenvolvida pela Igreja católica tem como base a ideia de que a “terra é dom de Deus” e defende a posse da terra para os que nela trabalham. A partir desse posicionamento da Igreja católica, a posse da terra passou a ser defendida pelos movimentos sociais como um direito humano.

Com o passar dos anos a luta pela terra se consolida como um direito à medida que crescem os apoios internacionais e ganha mais relevância quando se aliam aos grupos de direitos humanos os grupos ambientalistas.[6]

Segundo apontam Canuto e Gorsdorf no relatório do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), de 2007, sobre a situação dos direitos humanos no Brasil,  a terra é um direito humano assim como outros direitos e princípios garantidos em convenções ou  tratados internacionais e ou Constituições Nacionais, como direito à vida e à dignidade da pessoa humana, ao território, à alimentação e à moradia.[7] Para os autores existe uma forte relação entre a posse da terra e o gozo de outros direitos humanos.

 

3 – A justa tributação da terra como apoio ao direito a terra

Em 1964, diante da forte pressão dos movimentos camponeses por uma reforma agrária ampla e radical e pressão internacional da FAO, o governo militar promulgou o Estatuto da Terra como forma de frear as reivindicações populares e dá uma resposta às pressões internacionais.

O Estatuto tentava conciliar as pressões sociais no campo e ao mesmo tempo tranquilizar os proprietários de terra, promovendo o desenvolvimento econômico, razão pela qual apresentava uma dupla face: uma distributivista de democratização da propriedade fundiária, incentivo à propriedade familiar e penalização do latifúndio; e outra produtivista de concentração da terra, capital e trabalho, com a consolidação da grande empresa capitalista. [8]

Prevaleceu a aplicação do Estatuto visando apenas a promoção da política agrícola por meio da estruturação modernizante da propriedade rural. Uma modernização baseada na concentração fundiária em parceria com setores industriais e agroindustriais.

O Estatuto da Terra estabeleceu as formas de governança da propriedade e do uso das terras em solo brasileiro, centralizada no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Instituiu os condicionantes do direito da propriedade: o princípio múltiplo da função social, eficácia produtiva da propriedade e reforma agrária; e a tributação sobre a propriedade terra.

O ITR nasce com o objetivo de ser o braço fiscal do Estatuto da Terra com uma função extra fiscal a desempenhar e um desafio importante: ser instrumento da função social da propriedade, desestimular a existência de áreas improdutivas ou ociosas.

Dispositivos legais não faltaram para tal, uma vez que o Estatuto fixou competência ao ITR para fins de induzir a redução de áreas improdutivas ou ociosas ao estabelecer critérios fiscais de progressividade e regressividade (Art. 49 e 50) no uso da propriedade rural, levando em conta os seguintes fatores: valor da terra nua; grau de utilização da terra na exploração (agrícola; pecuária e florestal); grau de eficiência da exploração; área total de imóveis rural de um mesmo proprietário. E impôs função extrafiscal: instrumento da função social da propriedade.

O ITR poderia ter sido um instrumento de modificação do nível de concentração fundiária no país. No entanto, pelas condições políticas e sociais em que surge, se tornou mais uma lei pouco efetiva por vários motivos. O principal deles, que embala muitas questões aparentemente técnicas, é o fato de haver forte pressão política contra a democratização do acesso à terra. As dificuldades operacionais em sua administração (cadastros desatualizados, dificuldade de acesso a informação de preço de terra, dentre outras) que dificultaram o cumprimento do caráter extrafiscal do ITR, são em maior medida resultado da inexistência de determinação política e gerencial de reforçar o controle e fiscalização do tributo, em parte alimentada por sua inexpressiva performance arrecadatória.

 

4 – A tributação da terra no Brasil não penaliza a terra improdutiva

A Constituição de 1988 reafirma o Estatuto da Terra[9] ao decretar que a propriedade rural somente é um direito quando observa o dever de cumprir o princípio múltiplo da função social. Em 1993 a Lei nº 8.629 reiterou a ideia de função social da terra, atrelando-o à necessidade de equilíbrio entre a exploração racional da terra, a gestão ambiental e o bem-estar social.

Em 1994, para evitar subavaliação das terras na declaração do ITR foi aprovado a Lei nº 8847, incumbindo a Receita Federal de estabelecer o Valor da Terra Nua mínimo (VTNm) no âmbito municipal, com base em levantamentos de preços de mercado. O VTNm funcionava como um parâmetro que impedia valores declarados abaixo do preço de mercado. Esse ato fez com que o ITR registrasse um valor expressivo no lançamento do ITR/95 o que causou uma grande insatisfação nos meios ruralistas, que alegavam erros nos valores de terra. Pressionada, a Receita Federal sobrestou o lançamento e alterou os valores que passaram de R$ 1,9 bilhão para ínfimos R$ 300 milhões. Pelo quadro a seguir se percebe que esse patamar arrecadatório ficou estagnado por anos.

ANO Arrecadação Federal

(R$ milhões)

Arrecadação do ITR

(R$ milhões)

ITR/Arrecadação Federal

(%)

2020 1.479.000 1.888 0,12
2019 1.537.079 1.758 0,11
2018 1.457.114 1.509 0,10
2017 1.342.408 1.365 0,10
2016 1.289.904 1.225 0,10
2015 1.221.546 1.169 0,09
2014 1.187.950 964 0,08
2013 1.138.326 820 0,07
2012 1.029.260 657 0,06
2011 969.907 600 0,06
2010 805.708 525 0,06
2009 698.289 474 0,07
2008 685.675 470 0,07
2007 602.793 379 0,06
2006 392.542 342 0,09
2005 364.136 323 0,09
2004 322.555 291 0,09
2003 273.358 296 0,10
2002 243.005 256 0,10
2001 196.757 242 0,12
2000 176.020 279 0,16
1999 151.516 273 0,18
1998 133.143 224 0,17
1997 112.689 209 0,18
1996 95.096 262 0,27
1995 84.005 104 0,12

 

Fonte: Elaborado pela autora, com dados da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil.

 

 

No mesmo ano, 1996, uma nova lei do ITR foi sancionada, o VTNm fixado pela Receita Federal é extinto, retornando o VTN ao seu caráter puramente declaratório. (Lei no 9.393, de 19 de dezembro de 1996). Também foi extinto o mecanismo da progressividade no tempo que agravava a alíquota se nos anos consecutivos o imóvel permanecesse com baixa utilização do solo. Tal mecanismo entraria em vigor no lançamento 1997, ano-base 1996. Essa alteração na legislação prejudicou a eficácia do ITR e aliviou a tributação da terra improdutiva.

No mais, a Lei nº 9.393/96 manteve o caráter extrafiscal e a progressividade do ITR: incentivo à propriedade produtiva e desestimulo a improdutividade ou ociosidade da terra. Os imóveis deveriam ter alíquotas fixadas progressivamente em razão do uso e de suas áreas totais. Também abriu a possibilidade de criar um cadastro que unificasse as informações fundiárias e ambientais, possibilitando que RFB, Incra, Ibama e Funai atuassem em colaboração corrigindo falhas cadastrais. Seria razoável que passados 25 anos a União pudesse contar com um cadastro fundiário, fiscal e ambiental confiável. Lamentavelmente não alcançamos ainda esse objetivo que é fundamental para eficácia da fiscalização do tributo.

Quando instituída a Lei nº 9393, o governo anunciou que a arrecadação do ITR atingiria a cifra de 1,6 bilhão de reais no primeiro ano de vigência da nova lei. Muito distante do previsto, a arrecadação do ITR permaneceu por uma década (1996 a 2006) no patamar de 300 milhões, somente em 2018, arrecada em torno do previsto para 1996 (R$ 1,5 bilhão).  Em 2020 o ITR continua representando apenas 0,12% da arrecadação federal e 0,02% do PIB. A tributação da propriedade no Brasil (ITR e IPTU) é inexpressiva e não passa de 0,5% do PIB, bem distante de números como os 3% da França e Itália, os 4,5% do Chile, os 5% dos EUA e do Canadá ou os 6% arrecadados no Uruguai.

Vamos falar agora de superação. O derradeiro item desse artigo traz algumas propostas concretas para avançar na tributação rural em busca de uma economia justa.

5 – Os problemas do ITR e sua superação

A finalidade precípua do ITR era desestimular a expansão de latifúndios improdutivos e terras ociosas – função extrafiscal, além do aspecto arrecadatório. Ao longo dos anos o tributo sofreu várias mudanças legais, desde alterações que influenciavam na base de cálculo até aspectos que interferiam em sua governança.

Entretanto, algumas fragilidades permaneceram ao longo dos anos: sua natureza declaratória, a falta de fiscalização no meio rural e a ausência de um sistema cadastral consistente de registros escriturais que permitisse atuação integrada dos órgãos intervenientes como Incra e Ibama. Nunca é demais lembrar que a função do ITR não sendo cumprida, deixa o Estado sem instrumentos fiscais capazes de conter o movimento especulativo da terra, propiciando a manutenção de grandes propriedades improdutivas.

Sem uma fiscalização adequada e o devido controle do imposto às informações declaradas pelo contribuinte resultam em áreas tributáveis menores e em graus de utilização maiores o que reduz o valor do imposto. O estudo de Silva e Barreto (2014) [10], por exemplo, constatou grandes defasagens nas informações declaradas, algumas gerando um imposto a pagar de ITR superior a 12 mil vezes o valor que foi recolhido.

Além desse ponto existem lacunas legais na abordagem fundiária e ambiental.  Por exemplo, faltam na legislação do ITR mecanismos para mensurar a produtividade das atividades agrícolas relacionando a utilização do solo a tais índices como ocorrem com a pecuária e alguns produtos vegetais. Na questão ambiental, o ITR e o Código Florestal não atuam harmonicamente no sentido de punir o descumpridor da legislação ambiental. Se uma propriedade rural desmatar além do permitido no Código Florestal (não respeitando as exigências de constituição de APP e RL [11]) e se a parcela irregularmente desmatada for ocupada de forma produtiva pelo proprietário, então não haverá qualquer penalidade na apuração do imposto.

Outro ponto crucial é a subavaliação do valor da terra nua declarado pelo contribuinte sobretudo com a extinção do VTNm em 1996. Em 2019, visando coibir essa subavaliação  a Receita Federal publicou a IN 1.877  estabelecendo novos critérios para apuração do VTN em propriedades rurais. O objetivo é o de obter parâmetros mais próximos aos de mercado no cálculo do VTN e do ITR. Vale ressaltar que há 25 anos a Lei 9393 previu que o fisco criasse valores para arbitramento de forma a evitar a subavaliação e a fraude. Mas como tudo no ITR é de difícil implementação, até hoje, não temos um sistema de preços, em forma de malha fiscal, para conter os valores declarados abaixo do valor devido.

E como último exemplo do que pode ser melhorado/atualizado, trago a defasagem nos índices fixados no ITR. No final de 2020, o TCU provocado pelo Instituto Escolhas, determinou à Receita Federal a imediata atualização dos “índices de rendimentos mínimos para a pecuária”, valor base para a cobrança do tributo.  Esses índices são os mesmos há 40 anos e sua atualização elevaria a arrecadação do ITR para R$ 14,3 bilhões ao ano – quase 10 vezes mais do que a obtida em 2018, de apenas R$ 1,5 bilhão.[12]

De uma forma mais geral para melhorar seu desempenho e garantir uma tributação justa no campo, o ITR precisa [13]:

1 – Manter na Constituição Federal o princípio múltiplo da Função Social da Propriedade[14],  protegendo a sociedade da desigualdade fundiária, a natureza da dilapidação e as relações de trabalho das tendências regressivas.

2 – Atuar de forma cooperativa na fiscalização do tributo com as instituições que trabalham no setor (Incra, Ibama, RFB, Anvisa e MT) superando as várias legislações e competências administrativas que fragmentam o imposto.

3 – Concluir a constituição de um Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, permitindo a gestão da malha fundiária e a governança do território; a promovendo o saneamento do Sistema de Registro Público de Imóveis Rurais, garantindo a segurança jurídica da propriedade da terra; e o controle Social na constituição de cadastros georreferenciados.

4 – Atualizar a legislação do ITR em consonância com o Código Florestal e criar um parâmetro fiscal de preço de terras capaz de impedir a subavaliação do valor da terra nua declarado.

Ao longo do século passado, várias reformas agrárias aconteceram [15] e foram a via fundamental para o desenvolvimento econômico de alguns países.  O milagre chinês, por exemplo, tem sua origem nas reformas rurais da China, fundamental para o desenvolvimento industrial do país que viria ocorrer a partir da década de 80.

O modelo agrícola nacional assentado nos latifúndios monocultores e na extração de recursos naturais em alta escala, excluem do desenvolvimento as populações do campo e agrava a desigualdade. Uma economia injusta que não produz as condições necessárias para a nossa sobrevivência enquanto sociedade.

Com as mudanças propostas, sem grandes alterações na legislação[16], a arrecadação do ITR poderia alcançar patamares internacionais e o imposto poderia cumprir finalmente seu papel de estimular o adequado uso da terra.

Mas como disse no início, a ineficácia do ITR nunca se deveu a inexistências de soluções técnicas. Sempre existiram, de forma até abundante, propostas para melhorar seu desempenho arrecadatório, fundiário e ambiental. A ausência de vontade política e determinação gerencial  é que impedem o ITR de dá frutos. No entanto, existe uma tenaz pressão social para melhorar sua a gestão, o que de certa forma se reflete nos recentes movimentos envolvendo o TCU e a Receita Federal.

Os preceitos rousseaunianos de igualdade e liberdade jamais vingaram em qualquer sociedade do planeta, mas cabe a nós não desistirmos da possibilidade de lutar, com os instrumentos que dispomos, pela diminuição das desigualdades sociais, reequilibrando a disputa pela terra e fazendo de sua utilização uma forma de vida mais justa, ecológica e economicamente sustentável.

Sim, o ITR pode ser um caminho para uma economia justa nas relações fundiárias e ambientais. Basta atiçá-lo.

[1] Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) o Brasil registrou 1.833 conflitos no campo em 2019, o número mais alto dos últimos cinco anos e que representa um aumento de 23% em relação ao ano anterior.

[2] PRADO JUNIOR, Caio. Evolução Política do Brasil – Colônia e Império [1933]. Editora Brasiliense 1999, pag. 57

[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.[1755], Tradução por Lourdes Santos Machado. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

 

[4] DE ANGELO, Vitor Amorim. Lei de Terras: Lei de 1850 contribuiu para manter concentração fundiária; UOL educação: Pesquisa escolar. Disponível em <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/lei-de-terras-lei-de-1850-contribuiu-para-ma…. Acesso em 22 de abril de 2021.

 

[5] VIERA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, Iª ed., 2019, 264 páginas

[6] Rosana Rocha Reis, O direito à terra como um direito humano: a luta pela reforma agrária e o movimento de direitos humanos no Brasil, Lua Nova nº 86, São Paulo 2012, https://doi.org/10.1590/S0102-64452012000200004

[7] Canuto, A.; Gorsdorf, L. 2007. “Direito humano à terra: a construção de um marco de resistência às violações. In: RECH, D. (coord.) Direitos humanos no Brasil 2: diagnósticos e perspectivas. Rio de Janeiro: Ceris; Mahuad

[8] Reforma Tributária Necessária – Premissas e Diagnósticos – Imposto sobre a Propriedade Territorial  Rural – p399

[9] Art. 5º §1º inciso XXIII (Título dos Direitos e Garantias Fundamentais),

[10] O potencial do Imposto Territorial Rural contra o desmatamento especulativo na Amazônia / Daniel Silva; Paulo Barreto. – Belém, PA: IMAZON, 2014

[11] Área de Preservação Permante e Reserva Legal

[12] Instituto Escolhas – https://www.escolhas.org/escolhas-pede-que-tcu-mande-receita-federal-atualizar-cobranca-do-imposto-da-propriedade-rural-itr/

[13] Reforma Tributária Necessária – Premissas e Diagnósticos – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – p 408/409.

[14] Cf. Art. 5º, item XXIII, combinado com Art. 186 da Constituição Brasileira

[15] Na União Soviética, na República Popular da China, na Europa (central, oriental e meridional), na Índia, nas ex-colônias da antiga Indochina francesa, na América latina ou na África recém-descolonizada.

[16] O instituto Escolhas recentemente apresentou uma proposta de alteração na legislação do ITR mais profunda que merece ser estudada e avaliada pelas áreas envolvidas.

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