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A pilhagem da mineração brasileira e o Bloco de poder mineral

Marcio Zonta

Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração- MAM

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Introdução

Há uma ordenação e dominação estrangeira sobre os minérios brasileiros que influencia no ritmo de extração mineral e tenta a todo custo a abertura de novas áreas e fronteiras minerais nesse momento no país. Entender essa movimentação é debruçar sobre as disputas na geopolítica mundial; os países só conseguirão postular uma nova ordem no mundo de liderança global pilhando muitos bens da natureza, em especial os minérios.

Sem os minerais, o império estadunidense em declínio não se segura, o bloco asiático não segue seu curso de amplitude nos espaços centrais do mundo e o bloco considerado de países emergentes não consegue decolar. Em suma, essa ordenação e domínio parte do que podemos chamar de um bloco de poder mineral, formado a partir dos anos 1990, composto pelo capital financeiro, Estados nacionais e transnacionais da mineração. Esse trio é responsável por nutrir os dispositivos da indústria moderna global na reestruturação produtiva no mundo, que não se reproduz sem minérios. Dessa forma, passa a compor o bloco de poder também, pelas novas resoluções tecnológicas, as indústrias bélica, automobilística, telecomunicações, além dos produtores de bens de consumo de massa.

Podemos então evocar o pensamento de Aráoz[1] e afirmar que toda miséria, destruição ambiental e um mundo de trabalho mortífero mineral produz o que mais de moderno existe no mundo hoje. A seguir, vamos demonstrar e discutir um pouco de alguns desses componentes do bloco de poder mineral.

 

Capital financeiro

Diante de uma crise de superacumulação vivenciada no mundo pelos anos do desenvolvimentismo, que findou em meados dos anos 1980, existia a necessidade de valorização de novos capitais, para que o capitalismo continuasse sua trajetória de alastramento e acumulação. A natureza: água, terras, florestas, minérios passou ser o alvo central do capitalismo, sofrendo um processo de mercantilização, que levaria ao lucro extraordinário tão pretendido pelo sistema.

O capital financeiro passou, portanto, nessa ordenação estrangeira sobre os minérios, a organizar o bloco de poder mineral, sob a égide neoliberal, que tem como premissa transformar em ativo lucrativo tudo aquilo que ainda não é mercadoria. Assim ocorreu com os minérios; um minério embaixo da terra é apenas um fenômeno geológico, mas em movimentação gera lucro e mais-valia sobre os trabalhadores e, portanto, dividendos para o sistema financeiro, que lucra com a especulação dos mercados de futuro, com empréstimos às transnacionais mineiras, com a oscilação e especulação na bolsa de valores das commodities minerais. Por fim, e o mais importante: ser acionista de mineradoras, buscar lucros na fonte.

Isso passou a influenciar o ritmo da extração mineral brasileira, que cresceu 550% nos últimos anos. Levou ao colapso de Minas Gerais, com exemplos nos crimes da Vale nas cidades de Mariana e Brumadinho, nas quais extraíam além do possível para manter a taxa de lucro da mineradora e o lucro dos acionistas. Um estudo[2] do setor de economia da Universidade de Campinas – UNICAMP mostra que a Vale é umas das poucas empresas do mundo a distribuir tantos lucros aos seus acionistas, quase 68% de seu faturamento. O estudo ainda mostra que parte do montante embolsado pelos acionistas foram subtraídos da precarização das condições de segurança do trabalho, manutenção do sistema operacional e segurança das barragens.

Mas, voltando um pouco na história, de como o capital financeiro organizou esse bloco e sua influência no sistema mineral mundial, não podemos deixar de mencionar o documento elaborado em 1992 pelo Banco Mundial, intitulado: Estratégia para a Mineração Africana. Nesse documento, três pontos chamam a atenção:

  1. Automatização das minas (com compra de maquinário estrangeiro);
  2. Baixa taxação dos bens minerais, bem como de isenção fiscal para o ente minerador estrangeiro;
  3. Aumento do ritmo de extração mineral, visando o aumento das exportações para geração de dividendos, mais dividendos para os acionistas e, portanto, a abertura de mais minas.

Por fim, o ouro da Amazônia, como regulador do sistema financeiro mundial. Venezuela, Brasil, Equador, Peru e Colômbia compõem a remessa de ativo financeiro que regula o sistema financeiro mundial com a plena desvalorização do dólar.

Esse ouro ilegal no Brasil é esquentado no próprio banco central brasileiro[3] e é comprado por diversos bancos centrais no mundo. Nos últimos doze anos se registrou a maior aquisição de ouro no mundo. Ainda, recebem esse ouro as instituições financeiras, entre bancos, corretoras e distribuidoras de títulos de valores imobiliários da avenida Paulista, o coração financeiro da América do Sul.

A Amazônia desses países movimentaria aproximadamente um milhão de pessoas empregadas nessa espoliação aurífera, que vai desde o garimpeiro recrutado, construtores de pistas clandestinas de voos, pilotos de aviões, além de associações com narcotráfico, milícias, políticos corruptos. Esse garimpo ilegal em tempos pandêmicos aumentou em 60% na Amazônia brasileira; 80% do garimpo ilegal hoje se concentra em áreas indígenas ou áreas de conservação ambiental nas quais é proibida a mineração[4].

 

Industria automobilística

A corrida pelo domínio da montagem de carros elétricos pelas empresas do ramo mais antigas, como as estadunidenses, italiana, alemã e francesa se acirrou contra as montadoras asiáticas.

Em meio à disputa, algo não poderia faltar: o lítio e o cobre, a matéria-prima crucial para a fabricação de motores elétricos. O lítio reserva uma história que envolveu os Estados Unidos e a empresa norte-americana Tesla no golpe na Bolívia.

Os bolivianos, diferentemente dos argentinos, não abriram à exploração estrangeira suas reservas de lítio. Pelo contrário, buscaram a parceria da tecnologia chinesa pra fabricar um carro elétrico made in Bolívia, o que era imperdoável aos olhos do imperialismo norte-americano, que derrubou, com apoio do Exército Boliviano, o então presidente Evo Morales, quinze dias depois que dirigia um carro elétrico em fase de testes produzido por seu país.

Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina, quando ganhou as eleições em 2015 teve como um dos seus primeiros atos a abertura da exploração de lítio para demanda internacional. A Toyota, em parceria com uma mineradora canadense,  se instalou em terras argentinas, gerando conflito na chamada comunidade de Jujuy, onde se concentra 36% desses minerais.

Mas e o cobre? O que os motores elétricos disputados pelas grandes montadoras mundiais têm a ver com os territórios brasileiros? Vamos lá:  O Chile é responsável por 27% do cobre no mundo[5]; Peru, China e EUA juntos não extraem o que o Chile extrai. É minério fundamental para a indústria automotiva elétrica, que cresceu 92% sua produção no mundo nos seis primeiros meses de 2019. Portanto, em menos de seis anos os carros elétricos serão 10% da frota de carros no mundo (1,2 bilhões de carros). Em menos de 20 anos irão cobrir a demanda total de carros elétricos dos países asiáticos (entre eles a China). Um motor convencional de carro, sem ser elétrico, usa 22 kilos de cobre, um motor elétrico usa 83 kilos de cobre. Logo, em seis anos poderá aumentar em 800% a demanda de cobre no mundo.

Sem coincidência alguma, o cobre passou a ser uma demanda mundial, onde esse bloco de poder foi ordenando a busca por esse mineral em vários países, entre eles, o Brasil.

Na Amazônia, em Carajás/Pará, a mineradora Vale já anunciou um novo projeto de cobre. Esse bloco também fareja o cobre no Rio Grande do Sul, especificamente em Caçapava do Sul (RS), extremo sul do Brasil, às margens do rio Camaquã. O projeto é pretendido pela Nexa Resources, que é uma junção da empresa brasileira Votorantim Metais com capital canadense. Nem Pará, nem Rio Grande do Sul estão abrindo fabricas para montagem de carros elétricos, tampouco desenvolvendo tecnologia para isso, pois servirão apenas à base de destruição ambiental, econômica e cultural, como meros estados neocoloniais a matéria prima para o mundo.

 

Industria bélica/ Telecomunicações

Os Estados Unidos estão usando toda a sua capacidade de expandir sua dominação nuclear e convencional para o espaço e para a guerra cibernética com seu chamado Comando Espacial (restabelecido em 2019) e o Comando Cibernético criado em 2009.

Os Estados Unidos desenvolveram um míssil balístico interceptador (SM-3) que foi testado no espaço e está experimentando armas sofisticadas como as de feixe de partículas, armamento baseado em plasma e bombardeio cinético.

Em 2017, o então presidente Trump, derrotado nas últimas eleições, anunciou o compromisso de seu governo com essas novas tecnologias bélicas. O governo dos EUA gastará pelo menos 481 bilhões de dólares até 2024 para desenvolver novos sistemas avançados de armas, incluindo veículos autônomos, contra-drones, armas cibernéticas e robótica.

O exército estadunidense já testou sua Arma Hipersônica Avançada, que pode viajar no patamar Mach 5 (aproximadamente 3.800 milhas por hora, cinco vezes a velocidade do som), para que possa chegar a qualquer lugar da Terra em uma hora; essa arma faz parte do programa Convencional Global de Ataque das Forças Armadas dos EUA[6].

Portanto, a guerra que se avizinha nos próximos anos tem características extremamente diferenciadas das que a história conheceu. Para além do excessivo uso de armamento tecnológico, que subtrai ou minimiza o combate territorial entre exércitos, visa, sobretudo, dominar ou destruir se preciso for, os cerca de 1.300 satélites ativos[7] que circundam o globo em um congestionado traçado de órbitas, fornecendo meios de comunicação, navegação por GPS, previsão meteorológica e vigilância planetária.

Por isso, o interesse dos EUA na base de Alcântara no Maranhão, para lançamento de foguetes. Já que um dos seus concorrestes a postular o domínio do mundo, a China publicou em outubro seu plano de revitalização utilizando a geração 5 de dados móveis no exército, justamente para manusear armas hipersônicas por sistemas capazes de receber, processar e transmitir uma quantidade impressionante de informações em um espaço reduzidíssimo de tempo[8].

 

Telecomunicações

Países como a China e o próprio EUA já desenvolvem tecnologias para criação do 5G e 6G, como mencionado acima. Afora isso, a comunicação e interação de praticamente todos os aspectos da vida social passa pela indústria de telecomunicação nessa fase da sociedade.

No dia 5 de novembro de 2020, a bordo do foguete chinês Long March 6, 13 satélites foram lançados ao espaço. Um deles, é o primeiro a ser testado dentro do programa chinês de desenvolvimento da sexta geração de dados móveis, ou 6G.[9] Não por coincidência, a indústria bélica e das telecomunicações está à procura de titânio no mundo e faz esse bloco se mexer novamente, mais uma vez no Rio Grande do Sul, em São José do Norte, para uma verdadeira destruição em massa da população da cidade, ao pretender o Projeto Retiro, de titânio, mineral indispensável para a construção de foguetes. Esse projeto é pretendido no RS desde a década de 1970, mas nenhum governo havia tido a coragem de levá-lo adiante, pela tamanha destruição que pode causar à região e à Lagoa dos Patos.

 

Estado

O estado é o ente mais enfraquecido no bloco e o que, consequentemente, tem menos poder por ser desestruturado pela premissa neoliberal, perdendo a incumbência de administrar a renda mineral e repassá-la à sociedade. Essa renda vai direta aos bancos, a outras nações como as canadenses, norte-americanas, australianas. As vias para essa transferência de renda do público para o privado foram as privatizações do setor, a Lei Kandir, os chamados preços de transferências, a sonegação de impostos e o não pagamento adequado da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que poderia arrecadar cinco vezes mais do que arrecada atualmente no Brasil.

Além disso, o Estado tem participado apenas com a força de seu aparelho repressivo, que é o que realmente interessa para o bloco que ordena a mineração. Vejam-se os casos de interdito proibitório e queixas-crime em vários lugares do Brasil, promovidos pelas mineradoras contra lideranças de organizações e comunidades que lutam contra a destruição do projeto minerador. As mineradoras, inclusive, conseguem implantar um verdadeiro Estado de exceção, cuja característica central é colocar o direito e o vivente em antagonismo, passando esse vivente, no caso a população em contradição com os projetos de mineração, a viver em vigilância e repressão constantes, executadas pelo Estado.

 

Conclusão

O problema mineral brasileiro é alimentado por profundas contradições. Portanto, antes de mais nada, devemos observar que é alicerçado por uma guerra cultural, que atua nos meios de comunicação local, que disputa as universidades, escolas públicas e privadas de ensino médio, cursos técnicos, coopta associações. Ademais, trama para traçar um novo imaginário sociocultural para as comunidades, sendo uma sofisticada máquina de convencimento da ideologia plena mineral. Aqui, a tentativa é que o indivíduo/massa seja um ser alienado e abstrato da sua função social real na sociedade em que vive.

Tudo isso para esconder um sistema complexo de embate territorial e destruição ambiental, que vai resultar numa problemática agrária, imobiliária, urbana, na tentativa constante da abertura de novas fronteiras minerais em as terras indígenas, áreas de fronteiras, áreas de preservação ambiental e retomadas de terras antes conquistadas, como assentamentos rurais, áreas quilombolas, ribeirinhas.

Ou seja, o bloco mineral ativa a face mais racista e neocolonial da América Latina e do Brasil, onde as economias vivem processos de “commoditização”/desindustrialização, forjando massas sobrantes de miseráveis, que não acessam a fartura de lucro das mineradoras. Quanto mais a economia latina se baseia em serviços em detrimento da indústria, mais os países acentuam sua exportação primária. Por isso, o capital improdutivo encontra na mineração uma de suas formas de manutenção e sustentação acumulativa.

Por isso, as organizações devem se unir e tirar bandeiras em comum, como as áreas livres de mineração, que faz com que a terra cumpra sua função social de produção de alimentos para sociedade, ou de qualquer outra forma de viver que leve em consideração um modo de vida sano, de harmonia com a natureza e com a sociedade em geral. Para as áreas mineradas, as organizações devem lutar pela socialização do lucro advindo da mineração, que não chega à sociedade brasileira. Devem organizar espaços de reflexão e incidência sobre o problema mineral brasileiro.

Setores e uma parcela da sociedade brasileira têm se mostrado críticos à mineração e suas mazelas causadas ao povo e têm se organizado para denunciar, impedir projetos ou impedir que as mineradoras adentrem seus territórios e os destruam. Temos de ter essa movimentação constantemente, para incutir na sociedade brasileira a criticidade necessária para derrotar esse modelo de mineração atual, mas secular em sua estrutura.

 


 

[1] Horacio Machado Araóz; Mineração Genealogia do Desastre: O Extrativismo na América Latina como origem da modernidade, editora Elefante (2019).

[2] Vale: uma empresa financeirizada in Le Monde Diplomatique Brasil. Luiz Gonzaga Belluzzo e Fernando Satri (https://diplomatique.org.br/vale-uma-empresa-financeirizada/)

[3] Enquanto força tarefa investigao Ouro ilegal, lobby do garimpo tem Apoio do governo in Agência Pública (Enquanto Força-Tarefa investiga ouro ilegal, lobby do garimpo tem apoio do governo – Amazônia.org (amazonia.org.br))

[4] Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

[5] Todos os dados de referência ao cobre são do próprio setor automobilístico mundial.

[6] Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

[7] Idem

[8] Revista Business Insider: Governo Chines pensa seu plano militar para o futuro; Guiseppe Luca

[9] Instututo Tricontinental de Pesquisa Social

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